Capítulo 16

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Peregrina narrando

Juca passou a semana inteira me enchendo o saco para que eu resolvesse meus problemas pendentes. Eu queria que isso acabasse logo, mas estava com um pé atrás de ter que voltar pra favela do VS. Não queria trombar com nenhum dos meninos.

- Não posso só mandar ela vir não? - pergunto temerosa, fazendo uma cara de cachorro que caiu da mudança.

- Qual foi? Você tá com medo de quê? - ele questiona irritado, cruzando os braços e me olhando sério.

Engoli em seco, desviando meu olhar do seu rosto. Eu ficava totalmente fraca quando ele me olhava tão sério assim.

- Como eu vou saber se o VS não vai fazer covardia comigo lá?

Esse era o meu medo. A verdade é que eu fui contra a palavra de VS, e ele podia estar muito puto comigo. Juca queria me enviar para a toca do lobo.

Era engraçado pensar nisso. Semanas atrás eu estava cagando de medo de vir pro Complexo do Japão, e agora é o contrário.

- Você já está no meu nome, maluca. - ele diz, me deixando sem entender. - VS não tem mais poder sobre você, tu agora trabalha diretamente pra mim.

- E isso garante o quê? - eu realmente não estava entendendo nada.

- Garante que se ele encostar um dedo em você, ele vai travar uma guerra comigo. - fala sério. - E aquele filho da puta sabe que não tem poder maior que eu.

Pensando por esse lado, eu até fiquei mais tranquila. Até me senti importante, vai vendo.

- Mas relaxa, doidona. - ele bate no meu ombro, fazendo meu corpo ir pra frente com o impacto. - Vou mandar o Cobra com você.

- Precisa me quebrar? - pergunto indignada, sentindo meu ombro doer levemente. - Parece um brutamontes.

Juca me olhou irritado, e eu tremi logo. Não tinha condições de sustentar olhar com ele, eu peidava rapidinho.

- Vai logo, porra. Quero tu aqui até segunda. Se passar disso, vou cobrar.

Ótimo. Vou fazer uma mudança do zero em menos de dois dias, ainda tinha que arrumar tudo e arranjar um transporte para os móveis.

Corri pra casa, arrumei uma pequena mochila com algumas coisas e já parti para a boca novamente. Aguardei pacientemente Cobra dar as caras para que nós pudéssemos meter o pé.

- Vamos, homem. - bato palmas ao ver Cobra aparecendo no beco. - Teu vulgo é Cobra, mas tu não precisa andar se rastejando não.

Os caras ali presentes dão risada, deixando Cobra irritado. Fazer o quê, o estresse desses homens era o meu divertimento.

- Não sabia que você trabalhava no circo, palhaça. - dou de ombros.

- Se liga, é um bate e volta. - Juca dá as ordens. - Fica ligado na do VS, não confio naquele verme.

- Pode deixar. - Cobra tira um ferro de dentro da bermuda e balança no ar. - Se eu ver ele de má fé, já meto um tiro na fuça dele.

Reviro os olhos, a última coisa que eu queria era me meter em uma guerra com esses malucos.

- Vai vendo. - Juca balança a cabeça em concordância e faz um toque com o parceiro. - E você fica esperta também, maluca. - ele se aproxima de mim, me dando um tapa fraco na cabeça.

- Puta que pariu. - xingo irritada, arrumando meu cabelo que bagunçou no processo. - Vou meter o pé daqui antes que eu fique toda roxa, palhaçada do caralho.

Saio andando na frente em passos pesados, mostrando todo o meu estresse. Consegui ouvir os idiotas dando risada mais atrás.

Um carro nos esperava na descida do morro, entrei e aguardei Cobra fazer o mesmo. O caminho até a outra favela foi silencioso e calmo, eu não tinha muito assunto com Cobra depois da nossa noite. E ele também não parecia fazer questão de render alguma coisa.

Meu coração acelerou as batidas quando paramos enfrente a favela que eu fui criada. De repente, um turbilhão de memórias encheu minha mente. Eu queria chorar, mas não podia.

- Vamos.

Ouvi Cobra me chamar, e então acordei do meu transe, saí do carro e encarei aquela subida. Que merda eu tava fazendo aqui?

Senti meu amigo passar o braço pelos meus ombros, me deixando colada ao seu corpo. Começamos a andar juntos, um do lado do outro. Meu coração ficou quentinho, sabendo que Cobra estava tentando me passar confiança.

Estávamos subindo quando uns soldados nos pararam. Os mesmos já queriam folgar pra cima de Cobra, mas eu intervir.

- Sai fora, menor. - falo grossa. Eram soldados novos, eu nunca nem tinha visto algum deles. - Bota VS no radinho aí.

- Quem é você, mandada? - reviro os olhos, indignada que todos esses homens insistem em me chamar dessa maneira. - Está achando que é assim? Sobe desse jeito na favela e já quer meter marra pra cima de traficante.

Eu juro que não aguentei, dei risada ali mesmo na cara dele. O garoto ficou vermelho igual uma pimenta, cheio de ódio.

- Você é só um soldado, se liga. No teu lugar ainda vai vir vários. - eu não parava de rir. - Traficante, conta outra.

Peguei meu celular e liguei para Matheus, que atendeu no segundo toque.

- Fala tu, magricelo. Vem me buscar aqui na entrada do morro, tem uns menor aqui folgando pra cima de mim.

- Como? - questionou sem entender. - Você está aqui?

- Foi o que eu falei. Bora, TH. Não tenho o dia todo não.

Ao falar o vulgo de Matheus, vi os moleques arregalando os olhos e cochichando entre si. Foi uma patifaria colocar uns meninos desses pra ficar de frente. Eles nem sabem o que estão fazendo.

Não demorou muito para que Matheus chegasse em uma moto cantando pneu. Ele desceu rapidamente e veio ao meu encontro, me abraçando forte. Devolvi o abraço, sentindo aquele cheiro que eu tanto tinha saudades.

Doeu muito ao me dar conta que logo menos eu perderia tudo isso de uma vez. Teria que deixar todos eles para trás. Mas era o que eu realmente queria, o que eu precisava.

- Que saudades, gatinha. - segura meu rosto entre as mãos, deixando um beijo na minha testa. - Pensei que nunca mais fosse ver você.

Eu tinha esquecido o quanto eu era apaixonada por Matheus. Apaixonada por ele em si, pela sua amizade, pelo jeito em que ele me tratava. Eu amava tanto ele.

- Também senti saudades. - abracei ele novamente.

Não consegui falar mais nada naquele momento. Só precisava sentir o calor dele mais um pouco.

Ouvi um pigarro, e automaticamente me lembrei da presença de Cobra. Me afastei de TH, e olhei para o meu amigo.

- Esse é o Cobra. - apresentei ele. - Cobra, esse é o TH. - gesticulei com os braços em uma forma de apresentação.

- Satisfação. - os dois falaram em uníssono, logo dando um aperto de mãos.

- Bora subir, VS está esperando por vocês.

Bom, havia chegado a hora de encarar o motivo dos meus pesadelos.


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