Capítulo 6

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Peregrina narrando

Desde pequena me sentia sufocada quando enfrentava algum tipo de situação. Brigas, correrias, qualquer tipo de coisa que me deixasse nervosa era um estopim. Sentia como se eu fosse morrer a qualquer minuto.

Não sei se era algo relacionado a ansiedade ou coisa parecida, pois nunca procurei um especialista para tratar disso. Só fui empurrando com a barriga até hoje.

A verdade, era que eu só precisava de um pequeno momento para poder controlar a respiração e meus pensamentos. Logo meu coração desaceleraria e eu voltaria ao normal.

Estava deitada na cama fazia alguns minutos. O quarto estava escuro, apenas a luz da sala iluminava um pouco, praticamente sendo tampada com Juca escorado na porta.

Ele estava calado desde que eu me deitei, apenas me observando. Por um momento fiquei grata com o respeito que ele teve após o meu surto.

- Vai cansar se ficar a noite toda aí em pé. - exclamo, minha voz embargada devido ao tempo que fiquei sem falar.

- Estou de boa. - dá de ombros, mudando o apoio de uma perna para a outra.

Virei meu corpo para o outro lado, ficando de costas para a porta do quarto. Pensei que se eu ignorasse a presença dele, talvez ele me deixasse de lado e metesse o pé da minha casa.

- Não quis te deixar nervosa, tá ligado? - finge uma tosse seca. - Eu brinco assim mesmo, só na resenha.

- Relaxa, não estou irritada.

- Eu bem vi você quase socando a minha cara naquela hora. - fala irônico. - Pensei que fosse voar no meu pescoço.

- Acredite, eu queria mesmo voar no seu pescoço. - entro na onda ao perceber que ele estava brincando. - Torcer ele igual fazem com as galinhas.

- Fala assim não, eu me apaixono rápido.

Gargalho alto, virando na cama com a mão sob a barriga. Direciono meu olhar para Juca, que também dava risada.

- Eu achei que você fosse me matar assim que eu coloquei os pés na sua favela. - confidencio a ele.

- Por que? - ele fica sério de repente, e eu me arrependo de ter aberto a boca.

- Ouvi muitas coisas sobre você. - dou de ombros, tentando espantar o medo. - Sua fama te precede, é normal sentir medo quando tocam no seu nome.

- Fiz um bom trabalho, né? - ironiza. - Mas eu sou pelo certo, tá ligado? Não vacilo nos meus corres não.

- É, estou notando isso. - concordo com a cabeça. - Percebi quando você praticamente me matou para eu falar o "certo", para que você pudesse matar outra pessoa. - debocho.

- Palhaça. - nega com a cabeça. - É o meu jeitinho.

Até que Juca não era tão insuportável como eu julguei. Conversamos por bastante tempo, sobre muitas coisas. Fui obrigada a passar um relatório completo sobre a minha vida. O maluco queria que eu forçasse o meu cérebro a lembrar do nome dos meus genitores, como se fosse alguma bem simples de se fazer.

Mas ao todo, foi ótimo conversar com ele. Vez ou outra ele me confidenciava algum mínimo detalhe de sua vida pessoal.

Haviam passado algumas horas, nós já estávamos cansados de falar e sem assunto aparente. Juca como um bom cavalheiro teve a ideia de sairmos para comer em uma lanchonete no morro mesmo.

Fomos o caminho todo a pé mesmo, ele aproveitou o momento para me apresentar sua favela. Tive a conclusão de que todos os rumores sobre ele eram verdadeiros, pois ninguém se atrevia a olhar para o mesmo onde quer que ele passasse.

A caminhada valeu a pena, consegui decorar alguns lugares e serviria para eu não me perder em um futuro bem próximo. Já na lanchonete, a garçonete parecia estar a beira de um ataque de pânico enquanto anotava nossos pedidos.

- A mulher estava quase desmaiando aqui. - arqueio a sobrancelha, observando ele balançar os ombros.

- Não tenho costume de passear pela favela. - explica. - Muito menos ficar de bobeira em comércio.

- Sério? - pergunto surpresa, ele apenas acena com a cabeça. - E porquê?

- Nunca gostei de ficar assim no meio da multidão. - gesticula com as mãos. - Ficar exposto, sei lá... Não curto essas paradas aí.

- Aqui não tem baile?

- Claro que tem. - semicerra os olhos. - Eu vou por obrigação, normalmente me reúno com os chefes de outras favelas nesses bailes.

- Eu gosto de baile. - comento animada. - Enlouqueço toda, me acabo de beber. Sou do tipo que não tem hora pra parar de curtir.

- Sou o contrário. - diz sério. - Prefiro catar umas mulheres no baile e meter o pé pra casa. Eu faço minha curtição no sigilo.

Não disfarço minha cara de nojo para ele, que dá uma risada baixa. Nossos lanches chegaram primeiro que os dos outros clientes, mas ninguém se atreveu a reclamar.

O tempo passava devagar, e mais assuntos aleatórios surgiam entre nós. Depois do lanche, já passamos a pedir uma rodada de cerveja.

- Lá em casa, minha coroa faz um rango mil grau. Você tinha que provar qualquer dia.

- Quem sabe um dia? - abre mais uma garrafa, despejando o líquido no meu copo. - Devia trazer ela pra cá qualquer dia.

- Ela é cabeça dura. - nego com a cabeça. - Mas não duvido nada que ela viria aqui só pra me arrastar pelos cabelos.

Abro um sorriso sincero, observando Juca gargalhar alto. Na lanchonete já não haviam muitos clientes, tornando o ambiente mais confortável para nós dois.

- Na moral, tua véa deve ser bagulho doido mesmo. - passa a mão pelo canto dos olhos, enxugando umas lágrimas que escorriam.

- E você? Não tem ninguém? - pergunto curiosa.

- Claro que tenho. - responde sério. - Minha mãe morreu faz uns anos já, mas meu coroa ainda tá vivo, se liga?

- Sinto muito.

- Relaxa, ela não era uma boa pessoa. - cospe as palavras com um certo rancor. - Meu pai que é mil grau.

- Que bom. Ele mora por aqui?

- Sim, mas tá passando uma gestão na casa de pedra. - olho para ele chocada. - Faz maior cota já.

- Complicado. - estalo a língua. - Daqui a pouco ele tá de volta, e eu pretendo ainda estar por aqui para conhecer ele.

- Se tu tem medo de mim, quando ver ele vai ter um infarto. - dá risada. - Vai correr pra longe.

- Qual foi? Está desmerecendo minha coragem mesmo? - finjo que estou ofendida.

- Tu é laranja, otária.

Acabo caindo na risada junto a ele. A noite gerou mais que o esperado. Talvez minha estadia por aqui não seria tão ruim.


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