Capítulo 13

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Peregrina narrando

O dia começou propício para confusão. A madrugada havia gerado, e tudo indicava que podia piorar.

Juca não estava em um bom dia, sua feição assustava até o próprio satanás. A sala parecia estar mais pequena que o normal. Cobra fingia não estar preocupado com nada, enquanto bolava um. Mano, por sua vez, estava encolhido no canto da sala.

Não tinha muito o que fazer hoje. Então eu foquei meu tempo em revisar o caderno de contabilidade.

- Tem alguma coisa pra receber hoje?

Perguntei para quebrar o silêncio. Juca foi o único a responder, negando.

- Que merda ein... - bufo. - Posso ir embora então? - pergunto esperançosa.

- Claro que não. - meu patrão responde grosso. - Tem que bater o plantão.

- E eu achando que minha rotina seria diferente desses traficantes. - resmungo apenas para eu ouvir.

O silêncio predominava na sala, chegava a ser angustiante. Não aguentava mais olhar para os três patetas e não poder falar nada. Não poder fazer minhas brincadeiras sem graça.

Meu corpo tremeu de susto quando meu celular começou a tocar, notificando uma ligação. Ótimo, era o que faltava para piorar meu dia. Atendi rapidamente ao ver o nome de VS brilhando na tela.

- Opa.

- Fala comigo, palhaça. - reviro os olhos. - Não tá respondendo minhas mensagens por quê?

- Ocupada. - disse apenas.

VS era o tipo de pessoa que eu não queria nem contato na minha vida. Eu perdi todo o respeito que eu tinha por ele.

- Tô achando que você esqueceu quem é teu chefe, pô. - meu coração errou algumas batidas. - Vou ter que lembrar a você?

- Não esqueci nada. - falo grossa. - Qual foi? O que tá querendo comigo?

Levantei o rosto por um momento, e notei os três fofoqueiros me encarando. Fiz cara feia para eles e desviei o olhar.

- O que tá rolando por aí? - questiona curioso. - Quando te mandei pra essa merda, mandei você me deixar informado sobre tudo.

- Tô ligada nessa fita não. - me faço de doida, desconversando essa ideia dele.

- Só se você for maluca. - respiro fundo para não responder a altura. - Eu ainda tô esperando, porra. Quero que tu me fale tudo o que tu viu e ouviu desde que chegou aí.

Isso era uma porra. Eu estava na merda e eu sabia muito bem disso. Tanto é que eu não pensei muito ao respondê-lo.

- Não tem problema, pô. Vou passar aqui pro meu patrão, daí você pode perguntar pra ele.

Juca me encarou confuso após minhas palavras. Ignorei seu olhar e me levantei, estendendo o celular em sua direção.

- VS quer falar com você.

Eu podia ter me metido em uma merda muito grande agora. Mas eu não podia deixar essa história se prolongar por mais tempo.

VS queria me colocar de x9, e eu não ia ficar de braços cruzados vendo ele cavar minha cova.

- Fala comigo.

Estremeci ao ouvir a voz grossa de Juca, enquanto ele continuava a me olhar. Eu também não desviei o meu olhar do seu, mesmo sentindo minha alma querendo sair do corpo.

- Está tudo tranquilo, parceiro. Ela tá gerando pra mim. - houve uma pausa, e logo ele retornou a falar. - Não planejo devolver ela pra você tão cedo.

Engoli em seco ao notar Juca me olhando de cima a baixo. Bom, pelo menos a conversa não parecia estar indo para outro caminho. Então eu estava segura por enquanto.

Juca trocou mais algumas palavras com VS e logo me devolveu o celular. Coloquei o mesmo no ouvido ainda temerosa.

- Você vai me pagar.

Foi a última coisa que VS me falou antes de desligar na minha cara. Senti meus olhos encherem de lágrimas, mas não derramei nenhuma.

Eu precisava fazer algo a respeito. VS ia acabar comigo, ele certamente iria me foder de alguma maneira. Infelizmente não seria de um jeito bom.

- Vou encostar no meu barraco. - minha voz sai trêmula, e eu me xingo mentalmente. - Qualquer coisa me liga.

Não esperei pela resposta de ninguém, e já meti meu pé para fora dali. O caminho até meu barraco parecia não ter fim, o sol rachava na minha cabeça.

Pude finalmente respirar ao entrar em casa. Minha cabeça estava a mil, meu corpo dava indícios que logo menos eu teria uma crise de ansiedade.

Sentia o ar sumir e minha respiração passou a ficar pesada. Minhas mãos soavam muito, e eu tinha quase certeza que eu estava branca igual a um papel.

O que eu sentia era medo. Medo de todos ficarem contra mim, medo de perder tudo em questão de segundos, medo de morrer, medo de deixar minha coroa sozinha.

Eu sabia que estava no erro. O crime não perdoa, eu sabia bem disso. A partir do momento que eu pisei meus pés aqui dentro por ordem de VS, eu me coloquei a beira do precipício.

Mas eu não queria perder tudo o que eu estava conquistando. Por um lado, eu não caguetei ninguém, eu sequer respondia as mensagens dos caras da Maré. Eu só estava vivendo uma nova vida em uma nova favela. No entanto, eu não podia contar com o bom senso de Juca e do restante da sintonia.

Eu não tinha ninguém com quem contar. Queria ligar pra minha mãe e poder desabafar com ela, queria poder chorar e pedir seu colo. Mas o que ela poderia fazer pra me ajudar? Isso só a deixaria nervosa, ia acabar com o psicológico dela.

Eu estava sozinha nessa fita. Só eu e Deus, só podia orar e pedir pra que Ele me escutasse e me protegesse. Eu não tinha saída.

Era notório que Juca estranhou minha reação ao falar com VS. Fiz uma burrada do caralho quando agi daquela maneira. Eu só queria me livrar daquela situação de uma vez por todas.

Andava de um lado ao outro dentro do meu barraco, tentando tirar os pensamentos negativos da minha cabeça. Era insuportável a enxurrada de coisas que passavam pela minha mente em questão de segundos.

- Peregrina!

Pulei de susto ao ouvir a voz de trovão de Juca me chamando. Pensei em fingir demência, fingir que não estava em casa.

- Eu sei que tu tá aí, caralho! - gritou novamente, batendo no portão. - Abre essa porra aqui!

Pronto. Era agora, eu estava fodida.


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