Capítulo 56

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O comentário aparentemente casual de Jiang Yuduo sobre domar uma águia deixou Cheng Ke atordoado por um longo tempo. Domar águias era um assunto com o qual ele estava familiarizado desde a infância. Ele assistiu a documentários e leu vários artigos sobre o assunto.

Para domar a selvageria das águias, elas eram vendadas e colocadas em cordas oscilantes. Elas eta privados de comida, água e sono até ficarem à beira da exaustão. Só então o dono oferecia um pouco de água e um pedaço de carne, tornando a águia obediente.

Cheng Ke lembrou-se de ter assistido a um documentário em que o proprietário levava a águia para caçar coelhos. A águia voaria alto no céu, circulando por um longo tempo. O dono continuaria apitando, mas a águia se recusaria a voltar para o braço do dono. Mesmo depois de "fervidas", as águias às vezes nunca voltavam durante certas expedições de caça.

Naquele momento, tudo o que Cheng Ke conseguia pensar era: "Voe para longe, não volte..." No entanto, ele não conseguia se lembrar se a águia realmente voou para longe ou voltou.

O desejo de voar para longe e nunca mais voltar permaneceu na mente de Cheng Ke enquanto ele repassava essas lembranças. Ele não conseguia entender a conexão entre esses pensamentos e Jiang Yuduo, ou talvez estivesse com medo de aprofundar essa conexão.

Tudo o que Cheng Ke pôde fazer foi esperar em silêncio que Jiang Yuduo falasse.

"Meu pai costumava trabalhar com águias", começou Jiang Yuduo, segurando um cigarro aceso e brincando com um isqueiro na mão. Ele ligou e desligou, girando-o entre os dedos. "Ele adorava compartilhar histórias sobre águias fervendo. Não se tratava apenas de domesticar a águia; foi também um teste à força de vontade do mestre, uma batalha entre o homem e a águia."

"Que tipo de batalha é essa? Deixá-las famintas e privá-las de água?" Cheng Ke franziu a testa. "Forçar alguém a lutar assim é uma batalha sem sentido."

"Depois disso, ele parou de trabalhar com águias porque isso se tornou proibido", disse Jiang Yuduo, jogando o isqueiro para o alto. Quando caiu de volta na palma da mão, ele apertou-o com força. "Ele disse que não somos águias, não somos selvagens. Somos apenas cachorrinhos que vão se comportar depois de algumas surras. Não há desafio nisso."

Cheng Ke virou a cabeça abruptamente e olhou para Jiang Yuduo.

"Mas ele acreditava que essas regras tinham seus méritos", Jiang Yuduo olhou para suas mãos cerradas. "Escuridão, fome, frio, privação de sono... Qual é o sentido?"

Cheng Ke sentiu uma mistura de medo e raiva crescendo dentro dele.

"Ele disse que quando não tivermos mais medo dessas coisas, não teremos mais medo de nada", continuou Jiang Yuduo. "Sem medo, nos tornamos invencíveis."

"Absurdo!" Cheng Ke ergueu a voz. "Esses medos nunca podem ser apagados durante a vida!"

"Sim", Jiang Yuduo virou-se para ele, sorrindo. "Vivi com medo durante toda a minha vida. Nenhum de nós é invencível. Estou com medo. Tenho medo de tudo."

"Posso lhe fazer uma pergunta?" Cheng Ke franziu as sobrancelhas.

"Claro", respondeu Jiang Yuduo.

"Seus pais levaram um tiro?" Cheng Ke perguntou.

"Não sei", respondeu Jiang Yuduo. "Eles foram capturados."

Cheng Ke deu um suspiro de alívio, mas a imensa dor e angústia transmitidas pelas poucas palavras de Jiang Yuduo o impediram de se acalmar.

"Por que ele tratou vocês assim, todos vocês?" Cheng Ke perguntou com os dentes cerrados.

"Treinavamos todos os dias e, quando tivesse jogo, jogariamos", respondeu Jiang Yuduo. "Com outros 'filhotes' ou apenas sozinhos."

Antidote/Jie Yao [PT-BR]Onde histórias criam vida. Descubra agora