Capítulo 22

2 0 0
                                    

Escuridão e dor envolviam-me como um manto opressivo, uma legião de corvos bicando ferozmente a minha carne. Cada bicada era um relâmpago de agonia que se espalhava por todo o meu corpo, enquanto o meu peito pesava toneladas, dificultando a circulação do ar pelos meus pulmões. Cada inspiração era uma batalha, as minhas costelas pareciam mover-se com vontade própria, como se estivessem a ser arrancadas do lugar. Gritos de desespero tentavam forçar o seu caminho pela minha garganta, mas nenhum som conseguia escapar dos meus lábios.

De repente, um toque suave e carinhoso acalmou a minha mente em meio ao caos, uma ilha de tranquilidade num mar de dor. Acalmou-me o suficiente para que a inconsciência me envolvesse novamente, oferecendo uma breve fuga da tortura incessante.

Não sei quanto tempo passou até eu voltar a acordar. O tempo estava distorcido, um borrão de eventos indistintos. Quando finalmente consegui focar a visão, o meu coração deu um pulo.

— Ian? — perguntei tentando organizar os pensamentos e imagens que viajavam pela minha cabeça.

Eu estava deitada confortavelmente numa cama, coberta por lençóis brancos e uma manta grossa azul.

— Desculpa desiludir-te, mas sou o William.

— Oh... — baixei a cabeça em derrota.

— Não fiques assim. Está tudo bem. Estás a ver aquele monte de lençóis. — olhei para a cama que ele apontou à minha direita.

Os lençóis brancos cobriam um corpo como se este se tentasse esconder do mundo.

— Ian voltou a transformar-se em humano, mas tem estado numa espécie de coma desde então.

Coloquei as pernas fora da cama e senti o chão frio de madeira nos pés nus. Tentei caminhar até Ian, mas os meus joelhos cederam e quase desabei no chão, felizmente, William foi a tempo de me agarrar.

— Tem cuidado. Também não estás nas melhores condições, ainda rebentas os pontos. — declarou Will, pousando-me na cama de Ian.

— Porque é que ele está assim? — perguntei acariciando a bochecha do gémeo de William.

— Para ser sincero, nem nós sabemos. Nunca vimos um Selvagem a conseguir transformar-se de volta. Vamos ter de esperar para descobrir o que acontece.

Uma onda de tristeza preencheu o meu corpo.

— Ei, não te preocupes. Vai ficar tudo bem. — William tentou animar-me com um sorriso sofrido nos lábios.

A porta abriu e Kinley entrou com um copo de água e algo na mão esquerda.

— Já estás acordada! Ainda bem, assim não tenho o trabalho de o fazer. A senhora lobisomem médica disse para tomares isto — declarou entregando-me o copo e dois comprimidos brancos.

Tomei a medicação e bebi a água com urgência. Não reparara no quão sedenta estava.

— Eu vou ver os outros feridos. Toma conta deles, Kiki. — disse Will colocando a mão na cabeça de Kinley.

— Não me chames isso! — a pequena lobisomem pisou o chão com força em protesto.

— És tão fofinha, Kiki. — respondeu Will saindo em seguida do quarto com uma gargalhada.

Kinley deixou um grunhido de aborrecimento sair da sua garganta.

— Ele é chato. — ela respirou fundo — Estás bem?

— Não. — respondi com um suspiro, mas logo me arrependi com a dor excruciante que atravessou o meu peito — Correu tudo mal.

— Como assim? O Ian está vivo, tu estás a recuperar. Não sejas tão negativa. Podíamos ter morrido todos.

Aliança Improvável: entre sombras e segredosOnde histórias criam vida. Descubra agora