Potencial de barraco, digamos assim. Mas barraco chique anos 30.
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Laura Pacheco de Almeida não poderia mais cuidar de Helena Castro; ela também não era uma exímia desenhista, mas apesar de ser boa com as agulhas, não poderia ser modista. Cozinhava bem, mas após uma cuidadosa discussão com o marido, Heitor dizia que não seria de bom tom que a esposa de um negociante de renome tivesse uma ocupação produzindo bolos.
O meio termo encontrado pelos dois (e que funcionaria para Heitor como a melhor maneira de se aproximar da esposa, ao mesmo tempo que a apoiaria em sua independência) foi a abertura de uma loja que venderia produtos interessantes para as senhoras da região: chapéus, estolas, sapatos, acessórios diversos, todos obtidos das importações feitas pelo próprio Heitor. Assim que o negócio estivesse mais estabilizado, Laura poderia negociar a compra de produtos vindos de outros negociantes.
A ideia, de acordo com o Heitor...
- Eu entro com a parte financeira, e você prepara o negócio e fica na parte da frente do balcão. O dinheiro é um investimento, e é claro que eu vou avaliar como ele está, mas a parte positiva é que eu vou acompanhar como estão as vendas de alguns dos produtos que adquiro fora do Brasil, e vejo o retorno deles entre os consumidores num espaço muito próximo. Posso avaliar quais são os produtos potenciais que posso negociar com mais regularidade ao invés de tomar determinados riscos.
Laura assentiu, silenciosamente. Não era uma grande vendedora, mas poderia trabalhar com certa tranquilidade porque as vendas seriam direcionadas a um público específico: mulheres com condições financeiras para adquirir aquele tipo de produto.
Contudo, seu ingênuo otimismo se apresentou como um desafio logo no primeiro dia.
- Olá, boa tarde! – a jovem se colocou à frente do balcão, percebendo a aparência das mulheres que entraram na loja. Todas elas pareciam damas que poderiam consumir aqueles produtos. Uma delas até olhou o chapéu, bastante curiosa, e parecia erguê-lo para colocar na cabeça, mas não havia retirado o próprio chapéu posicionado na cabeça, assim que entrou na loja.
Laura se apressou a sair de trás do balcão e foi até a senhora, bastante educada, e perguntou se ela gostaria de ver aquele chapéu outro parecido.
– Não, obrigada. Muito bonito tudo aqui...
– São produtos que acabaram de vir tanto do Rio de Janeiro, quanto Buenos Aires e Paris.
– Percebo. É uma nova loja? Estou curiosa para saber, porque Itaparica carece tanto de lojas desse tipo...
– Sim. – sorriu abertamente. A ideia de abrir aquele negócio realmente foi bem-pensada – Foi por isso que inaugurei esta loja, até porque eu acredito que é mais fácil as senhoras virem para cá do que pedirem uma encomenda de Salvador ou de outros lugares mais distantes.
A informação sobre a loja pertencer a Laura mudou completamente a dinâmica daquela conversa entre ela e aquela senhoras. A moça que segurava o chapéu colocou novamente em cima do manequim. Recolocou a luva na mão com cuidado, como se agora precisasse de mais cuidado para mexer naqueles objetos.
Laura percebeu que a postura daquelas mulheres estava mais séria, mais dura, e algumas até olhavam para o lado de fora. Entendeu rapidamente do que se tratava, que agora não estavam tratando com uma funcionária, e sim a dona da loja, e aquilo para elas devia ser tenebroso.
Como uma mulher como Laura, como uma mulher que tinha aquele tom de pele poderia ser dona de um negócio daqueles, ou ter acesso àquele tipo de produto? Aquela era a certeza que ela tinha do que se passava na mente daquelas senhoras.
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Retrato de Mulher
RomanceRegistrado no SafeCreative: 2406068184252 Heitor Pacheco de Almeida é um homem rico e amargurado, que trocou a vida em Salvador pelo ar bucólico da ilha de Itaparica, em 1935. No passado, obcecado pela imagem da primeira esposa, Clarice, não abriu o...