Voltamos ao funcionamento normal com outra revelação importante (que talvez vocês já sabiam)...
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- Papaaaaai! Fofinho não quer usar a roupinha!
- Dita, ele é um cachorro... É natural que ele não queira se vestir!
- Mas o senhor comprou a roupa no Rio de Janeiro!
Heitor Pacheco de Almeida disfarçou o máximo que podia o riso diante da reclamação enfática de sua filha. Fofinho, o cachorro de Benedita, havia se recusado a usar uma das roupinhas compradas pelo pai e a mãe na sua ida ao Rio de Janeiro, e preferia morder o pedaço de pano e arrastá-lo pelo amplo jardim da mansão em Itaparica. Aquilo era revoltante para a pequena, que deixava registrado de maneira aguda que a roupa do cachorro fora comprada no Rio de Janeiro, para fortalecer a sua insatisfação infantil.
- Mas Fofinho não gosta de roupas, Dita.
- Ele devia gostar, papai! O senhor comprou no Rio de Janeiro!
- Eu acho que Fofinho quer usar a roupa para brincar. - Laura entrou na conversa, e se agachou na frente da filha, com um caderninho de desenhos e um lápis.- Que tal ficar observando fofinho enquanto desenha ele brincando com a roupa? Não é uma boa ideia?
A menina pegou o caderno e o lápis e parecia empolgada, pulando de alegria enquanto girava o corpo na direção do pai e da mãe:
- Farei isso mesmo, mamãe!
Apenas Laura era capaz de acalmar as tensões de Benedita, trocando a impaciência por conta de Fofinho não ficar com as roupas no corpo por algo que a deixava mais tranquila: seu caderno de desenhos.
- É impressionante como ela se acalma apenas com o lápis e o caderno. É como se tudo mudasse para Benedita.
-Ela não tem paciência com várias coisas, e tem a tendência de desviar a atenção com muita rapidez dos assuntos, mas a única coisa que a mantém focada, atenta, são os desenhos.
- O talento para a pintura não pulou de geração. Todos nós temos algum tipo de habilidade com arte, e Benedita não é diferente.
- Eu nunca vi suas pinturas, Heitor. – a jovem segurou as mãos do marido, os dedos entremeando-se uns nos outros, costurando-se, e aos poucos, eles se olharam, envolvidos em um casulo íntimo. - Conheço o estilo de dona Rute, de sua mãe, vi alguns quadros na casa de sua avó, mas eu nunca vi seus quadros. Eu acreditava que aquela imagem da sala, de Clarice, você havia feito, mas... Você mesmo desmentiu.
Já não era mais complicado, tenso para Laura, falar sobre o passado, citar o nome de Clarice. Ambos se encontravam em uma situação muito mais tranquila, entendendo que o passado funcionava como uma forma de aprender com os erros e seguir em frente, agora com verdade e sinceridade tanto no presente quanto no futuro.
- Em breve te mostrarei alguns, prometo. – foi a vez de Heitor levar uma das mãos unidas até os lábios e repousar um beijo no dorso da esposa, que sorriu com o leve gesto de carinho, discreto como Heitor, mas singelo de uma forma que surpreendeu Laura. - Não tem o mesmo estilo que vovó e mamãe, e talvez você não se sinta tão encantada em comparação com o que as duas faziam, mas espero que goste.
- Talvez eu goste mais do que imagina, Heitor. – sorriu, erguendo o queixo em um desafio brincalhão. – Desejo apenas conhecer este teu lado artista.
- Passei tempo demais escondendo partes de mim que merecia conhecer, meu tesouro. Uma delas diz respeito aos meus quadros. – continuou segurando as duas mãos da esposa, e deu ligeiros beijos no dorso, antes de puxá-la para um abraço, envolvendo-a em seu corpo, os dois girando juntos para observar Benedita entretida com seus desenhos. - Mas em breve, eu prometo mostrar o que eu já fiz, e eu conto com sua apreciação.
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Retrato de Mulher
RomanceRegistrado no SafeCreative: 2406068184252 Heitor Pacheco de Almeida é um homem rico e amargurado, que trocou a vida em Salvador pelo ar bucólico da ilha de Itaparica, em 1935. No passado, obcecado pela imagem da primeira esposa, Clarice, não abriu o...