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Heitor Pacheco de Almeida é um homem rico e amargurado, que trocou a vida em Salvador pelo ar bucólico da ilha de Itaparica, em 1935. No passado, obcecado pela imagem da primeira esposa, Clarice, não abriu o...
Havia uma rotina na casa dos Pacheco de Almeida que se estabeleceu tão rapidamente, que nem mesmo os adultos repararam na constância: diariamente, o pai ou a mãe de Benedita contava uma história para a criança antes de dormir.
Naquela noite, a menina queria que os dois estivessem juntos lendo a história.
- Eu queria "O Patinho Feio", papai!
Assim, Benedita, coberta pelo imenso lençol na cor rosa, e Fofinho – o cachorro da menina – ao pé da cama e meio sonolento, ouviam calmamente a história contada pela voz profunda e dramática de Heitor, e narrada com a calma e a tranquilidade de Laura.
Os dois dividiam os diálogos e as narrações, enquanto Benedita sorria diante da trama se construindo em cada narração.
- "Os outros patos chamavam o patinho de 'feio', 'feio', porque ele era cinza e não se parecia com os outros." – era a voz firme de Heitor, um pouco triste no final, quem seguia com aquela narração.
- "Foi quando o patinho entendeu que não poderia ficar ali..." E sabe o que ele fez, Dita? – perguntou Laura, levando um dos dedos ao narizinho da filha.
- Ele foi embora... – um longo bocejo. – Mamãe...?
- Sim, ele foi embora, encontrar alguém que gostasse dele de verdade.
Não demorou muito para tanto Benedita quanto o cachorro dormirem profundamente após ouvir a história, que não havia terminado. Laura tratou de colocar uma folha de árvore na página do livro, porque sabia que Benedita pediria para ouvir "O Patinho Feio" antes de dormir no dia seguinte.
- É impressionante como ela e o cachorro dormiram na mesma hora. – observou Heitor, terminando de arrumar o lençol para deixar Benedita confortável.
Deu um beijo na testa da menina e sorriu.
Os dois saíram do quarto, deixando a porta ligeiramente encostada. Eles sabiam que Benedita, por vezes, poderia acordar no meio da noite por causa de algum pesadelo, ou pela vontade da criança imparável, e sairia do quarto a fim de ver o pai ou a mãe. A menina não estranhou que os pais dormiam em camas separadas; até porque aquela era a única referência de casamento para Benedita.
Na realidade dela, vivia apenas com a mãe, e depois o pai retornou da "longa viagem". Considerava tal arranjo natural.
Porém, em algum momento as coisas precisariam ser explicadas. Benedita cresceria, se tornaria adulta, encontraria o amor. Laura ansiava que a filha sempre fosse amada e priorizada, e sonhava que, no futuro, ela se casaria com alguém que a visse como a pessoa mais importante do mundo.
Essa conclusão tornava seu casamento uma situação ainda mais complexa. Mesmo com o que ocorrera no passado, Laura amava o marido – mas não o considerava apaixonado por ela. Nunca o fora, pensava a jovem. O casamento dela e de Heitor deveria ser um exemplo positivo para Benedita se guiar no futuro; como isso seria possível se aquele relacionamento era uma farsa?
Suas reflexões foram interrompidas pelo marido:
- Antes de dormir, preciso conversar algo muito importante com você, Laura. O tom grave, longe daquele empregado na narração da história para Benedita, deixou Laura preocupada.
Ela abraçou a si mesma, sentindo um arrepio correr a pele. Alguma coisa muito complicada seria dita.
- Podemos ir ao escritório, então.
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