Curiosamente, este capítulo 15 sempre foi fundamental para a história (no meu planejamento inicial), porque grandes revelações seriam passadas aqui.
Agora, temos sim uma revelação - só que é outra coisa...
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- Precisamos...
- Queres tomar café no restaurante ou pedir ao serviço de quarto que traga as opções?
- Eu particularmente... nem sei... – Laura rolou pela cama, protegendo-se com o lençol, para logo depois ficar ao lado de Heitor, que a abraçou, levando os dedos por dentro do lençol, enquanto ela ria.
O riso fácil de Laura era indicação de que as coisas estavam diferentes naquele instante. Mesmo que ainda existissem coisas a serem ditas, verdades a serem reveladas, havia uma sensação de normalidade, de tranquilidade vinda da jovem, quando se tratava do marido, especialmente após aquela noite.
Os dois novamente foram um só, sem impedimentos ou questionamentos, como foram em tão poucas vezes no passado – como deveria ter sido. Por isso, era importante conversar sobre o passado, e talvez aquela viagem, onde os dois estavam na mesma posição, em experiência, em dores, na compreensão do que ocorra no passado, configurou-se na oportunidade perfeita para trocar confidências, revelar confissões.
- Guardadas as devidas proporções... Essa brisa me lembra o vento que batia na janela em nossa lua-de-mel...
- Só estamos a alguns metros de altura, e lá em Itapagipe, era um sobrado. Pouca coisa.
Laura gargalhou, dando tapinhas no peito nu do marido.
- De onde surgiu todo esse senso de humor, Heitor?
- Nunca foi um homem bem-humorado. Sabe bem que a pessoa piadista era minha avó, dona Rute. Mas com você, posso ser mais livre em minhas anedotas.
- Caso suas anedotas não sejam engraçadas, eu prefiro nem ouvir!
- Serias capaz de fazer troça de meus momentos de humor, esposa? Estou ofendido!
A ironia bem-humorada, autocrítica, era um lado de Heitor que Laura não foi apresentada com a frequência que poderia ser, apenas em momentos específicos ainda no começo do casamento. Heitor, no geral, sempre pareceu à jovem meio macambúzio no passado, e agora, ela encarava alguém mais leve; e um lado de Laura bem profundo no coração se orgulhava por fato de que ela era responsável por isso.
- Onde estava todo este humor quando nos casamos?
- Eu tinha meus momentos, Laura... – ele a abraçou, repousando a cabeça em seus cabelos soltos. - Eu só não era capaz de expor tanto, até porque eu sempre quis que a nossa intimidade fosse mais importante do que todo o resto. Mas creio que não foi o suficiente.
- Porque em nosso lar tinham pessoas demais. Por que manter aquela mulher na casa, Heitor?
Os dois sabiam sobre quem Laura estava se referindo.
- Conveniência, dó, Vera Lúcia ficaria sozinha, não retornaria para a casa da família. Era o mínimo de respeito que eu acreditava que ela merecia pelo tempo que acompanhou a irmã, pelo cuidado com a casa. Mas não deveria ter feito isso.
Laura sabia que Heitor sentia dó, pena, de Vera Lúcia, mas a presença dela naquela casa havia sido nociva para o casal.
- Hoje, você tem a consciência de que se ela estivesse longe as coisas seriam...
- Sim. – suspirou, ainda abraçando a esposa. - Eu não deveria ter... Deveríamos ter começado nossa vida na casa que pertencia à minha avó. Enquanto isso, eu me livrava de Vera Lúcia, alugava uma casa para ela, e de preferência trocaria todos os funcionários. Todos eles estavam ao lado dela, eram aliados de Vera Lúcia e nunca a aceitaram. Demorei para perceber isso, mas não foi tarde deficiente para estabelecer mudanças.
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Retrato de Mulher
RomansaRegistrado no SafeCreative: 2406068184252 Heitor Pacheco de Almeida é um homem rico e amargurado, que trocou a vida em Salvador pelo ar bucólico da ilha de Itaparica, em 1935. No passado, obcecado pela imagem da primeira esposa, Clarice, não abriu o...