Como eu tinha dito, segue o primeiro capítulo do livro...
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Duas mulheres caminhavam pela calçada arborizada sob o sol quente e a brisa do mar tranquilo como testemunhas. Uma delas, a mais jovem, parecia não ter mais que 26, 27 anos, e as roupas simples, desde a saia e o blazer feminino cinza-escuro, quase preto, passando pela camisa branca de botões, e o chapéu curto, posicionado de lado, além dos cabelos cacheados na altura do queixo, davam a impressão de ser uma mulher mais velha.
A ideia era essa, mas a acompanhante da jovem dizia que seu olhar ainda tinha esperança, parecia entender que havia um mundo pela frente, e não o sentimento de estar conformada com o fim – mesmo que ela dissesse o contrário.
O foco da jovem era duplicado. Primeiro, na idosa ao seu lado, de estatura menor, magra, os cabelos crespos em um corte bem curto, longe da moda reinante – como se a mulher se importasse – caminhando lentamente com uma bengala prateada, e a aparência elegante e sóbria de viúva, desde o vestido preto, par de sapatos de mesma cor, e as pérolas na orelha, o chapéu de aba longa e encurvada, tendo apenas como único ornamento colorido um broche imenso de flor, em tons de violeta.
O olhar da moça também se direcionava para uma menina pequena e magra, os cabelos cacheados mais soltos que os de sua mãe, e a pele negra sendo a única coisa que compartilhava com a menina – todo o rostinho dela se parecia com outra pessoa, alguém familiar demais para a mãe da garota. A menina corria, desviando-se das árvores que ficavam no passeio, e de uma ou duas pessoas que se surpreendiam com a pequena.
- Benedita, cuidado com essa corrida! As pedras ainda não estão encaixadas, pode se machucar!
A menininha parou um instante e girou o corpo na direção das adultas, levando a mão à testa.
- Disculpa, mamãe! Irei devagar!
A jovem apenas riu, mas depois prosseguiu entre olhar a filha brincar com o pequeno espaço vazio do passeio onde não tinha pedras, como se estivesse pulando na praia, e acompanhar a idosa, que usava uma bengala para se locomover. Ela já estava acostumada àquele movimento, entre indicar a filha que precisava ter atenção, e trocar ideias com a sua acompanhante.
Elas pareciam mãe e filha, ou avó e neta; mas não havia ligação sanguínea entre as duas mulheres. A mais jovem até desejava que a idosa fosse uma parente próxima – sua vida seria bem diferente; mas a vida era aquilo que se poderia fazer dela.
E Laura Pacheco de Almeida, que naqueles tempos se apresentava apenas como "Laura Brandão", fazia o que podia em nome da sobrevivência dela e de sua filha, Benedita.
- Seu filho, Daniel, apresentou algumas sugestões de escolas onde eu poderia colocar Dita quanto necessário. Ainda considero que educar minha filha em casa neste momento é mais confortável, porque ela está sob meu olhar, mas... Sei que em algum momento ela terá de conviver com mais crianças.
- Não se esqueça de que ela chegará à escola sabendo ler, escrever, dotada de conhecimentos gerais que muitas crianças de nossos círculos mal fazem ideia. Filhos de políticos, de fazendeiros, herdeiros que não têm este nível de formação.
Laura tinha uma ligeira correção na ponta da língua; mas preferiu não prosseguir. De certa forma, Benedita era filha de um homem rico, sendo assim, ela era herdeira.
- Eu sei disso. Levanto as mãos para o céu todos os dias quando lembro que boa parte de minha educação foi graças ao apoio das freiras. Só que eu preciso pensar no futuro de Dita. A sugestão de Daniel é boa, e ele me indicou nomes de boas escolas, mas eu nem queria que ele se importasse tanto, porque não quero... confundir as coisas.
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Retrato de Mulher
RomanceRegistrado no SafeCreative: 2406068184252 Heitor Pacheco de Almeida é um homem rico e amargurado, que trocou a vida em Salvador pelo ar bucólico da ilha de Itaparica, em 1935. No passado, obcecado pela imagem da primeira esposa, Clarice, não abriu o...