Capítulo 4: Aparição sob duas asas

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Suas mãos tocavam minha pele, brincando com meu corpo exposto como se fosse uma tortura, uma brincadeira antes de finalmente chegar à minha "purificação". A narrativa deles havia mudado, afinal, agora essa era a única solução, e parecia que estavam se preparando para isso há anos.

Uma criança, no fundo, encostava na parede sem entender. "Me desculpa", pensei. Como um pai poderia deixar isso acontecer com seu filho? "Pai." Não é como se eu soubesse quem era o meu. Desde que aprendi a falar, nunca soube quem era aquele que me concebeu com minha mãe. Se era alguém da vila, de fora, ou se nem eles mesmos sabiam. A resposta era sempre a mesma: o silêncio.

Olhei para o teto da sala, a luz fraca das tochas lançando sombras dançantes nas vigas de madeira. As marcas de sujeira e mofo pareciam formar rostos distorcidos que zombavam de mim. Tentei focar em algo mais, algo que pudesse me distrair da realidade cruel que me cercava.

Lembrei-me de uma tarde ensolarada, muitos anos atrás, quando minha mãe e eu estávamos colhendo flores na floresta. O som suave do riacho próximo, o canto dos pássaros e a risada dela ainda ecoavam na minha mente. Ela me ensinara a reconhecer as plantas medicinais, e eu me sentia segura ao seu lado, envolta na paz daquele momento. Fechei os olhos, tentando me agarrar a essa memória, como se pudesse me transportar de volta para aquele lugar tranquilo.

"Um lugar feliz?."

Minha boca estava congelada pelos pensamentos, e percebendo que não havia mais solução, tentei me infiltrar mais em meus pensamentos, nas lembranças de minha mãe, de nossas histórias, do canto dos pássaros. Talvez não demore tanto assim, talvez eu nem perceba se minha mente não estiver aqui, nesse lugar.

Mas o som das risadas maldosas e os toques invasivos dos homens me puxavam de volta à realidade. A dor era insuportável, mas eu tentava me agarrar à esperança, à lembrança de minha mãe e às tardes pacíficas na floresta.

As mãos, que antes passavam pelo meu corpo, agora apertavam, batiam e beliscavam minhas partes íntimas. A dor, exacerbada pelo ardor da substância que minha mãe preparara – que ironia –, era insuportável. Sentia meu coração martelar descontroladamente, enquanto a náusea subia, empurrando o conteúdo do meu estômago com uma urgência que quase me fazia vomitar.

Os toques pararam abruptamente, e eu ergui levemente a cabeça para ver Ruy parado à minha frente. Seu rosto estava iluminado pelas sombras dançantes das tochas, acentuando suas feições duras e implacáveis. Seus olhos brilhavam com um ódio demoníaco, e um sorriso maligno curvava seus lábios, fazendo-o parecer ainda mais ameaçador.

— Por favor, não.

Minha súplica foi ignorada. Em vez disso, senti dois homens mais velhos segurarem minhas pernas, puxando-as para o lado com força, deixando-me completamente exposta e vulnerável. O cheiro de suor e fervor religioso enchia o ar, tornando a atmosfera ainda mais sufocante.

Ruy se aproximou, seu corpo quente se aproximando do meu. O medo me paralisava, e eu tentava encontrar minha voz, mas era como se ela tivesse desaparecido.

— Não — minha voz saiu como um sussurro, quase inaudível, perdida no terror do momento.

Agora, eu já sentia o calor do corpo de Ruy se aproximando, cada vez mais perto. E foi quando a luz surgiu.

Agora, eu já sentia o calor do corpo de Ruy se aproximando, cada vez mais perto. Sua respiração pesada estava quase sobre mim, e eu sabia que o pior estava prestes a acontecer. Foi então que, de repente tudo mudou.

Uma luz intensa e sobrenatural inundou a sala, cegando a todos momentaneamente. A sensação de paz que a luz trouxe foi imediata, como se todo o peso do desespero e do medo tivesse sumido de repente. A calma que me envolveu foi tão profunda que por um momento pensei que havia morrido e que aquilo era o céu.

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