Capítulo 1 - 1992 a 2006

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Nasci em um dos momentos mais difíceis da vida dos meus pais. Eles contam que fugiram de Aquiraz, cidade da região metropolitana de Fortaleza, em 1991, porque meu avô, alcoólatra e violento, ameaçou meu pai por ter engravidado a filha dele. Minha mãe tinha 19 anos e meu pai 21. Chegaram em Fortaleza sem dinheiro, apenas com uma malinha para acomodar as roupas puídas dos dois, e uma velha máquina de costura, herança da minha avó materna. Resumindo: estavam na pindaíba.

Mas, graças a Deus, foram ajudados por um primo do meu pai, que lhes deu teto e comida para que sobrevivessem por algum tempo. Como minha mãe era costureira, começou a fazer roupas e pequenos consertos para a vizinhança, o que rendeu algum dinheiro para que eles ajudassem nas despesas. Já meu pai saía todos os dias, assim que amanhecia, para procurar emprego. Voltava à noite e, por algum tempo, sem notícias boas. Como ele teve que trabalhar desde criança, não completou nem o ensino fundamental. Vocês devem imaginar como é difícil arranjar trabalho sendo semianalfabeto, né? Uma vez minha mãe me falou que notava que ele se sentia triste e frustrado, coitado, mas que nunca falava para ela. Aguentava calado.

Quando fez seis meses que eles viviam nessa situação, eu nasci. O ano era 1992. Minha mãe me disse que ela achava que eu não sobreviveria de tão magrinha e pequena que eu era. Mas como era esfomeada, fui ganhando peso a cada mamada.

Os dias se passavam e sem arranjar emprego, meu pai ficava cada vez mais acabrunhado. Um dia, minha mãe acordou e pegou ele chorando. Perguntou o que tinha acontecido, mas ele, muito cabeça dura que era, disse que não era nada. Minha mãe pressionou até ele dizer que se sentia humilhado por não poder sustentar a filha, que tinha medo de ficar sendo sustentado pela mulher para sempre, porque era burro demais para arrumar emprego.

Minha mãe sempre teve um dom de acalmar a situação. Disse que ele não era burro, que não era vergonha ela dividir as despesas da casa e que dali uns dias ele arrumaria trabalho. Depois, chamou ele para rezar pedindo um emprego. E não é que o pedido foi atendido? Para a alegria deles, meu pai conseguiu emprego duas semanas depois. Nessa ápoca, eu já estava com quatro meses. Ele me falou uma vez que chegou em casa todo orgulhoso, abraçou minha mãe e disse depois de dar um beijo nela:

— Fatinha, arrumei emprego! Vou ser porteiro! E é de carteira assinada e tudo! Agora nóis pode ter nossa casa!

Minha mãe disse que, tirando o nascimento dos filhos, esse foi o dia mais feliz da vida dela, porque, apesar de tentar ser positiva, ela tinha medo de passar fome. Dois meses depois, eles finalmente conseguiram alugar uma casinha para nos abrigar. Ela tinha dois quartinhos, uma cozinha e uma sala pequena. Minha mãe conta que o primo do meu pai, que tinha mais condições, deu um fogão usado e ajudou na compra de uma cama e uma geladeira. Uma vizinha doou um berço velho para que eu tivesse um lugarzinho para dormir. Na casa do primo, eu dormia numa rede velha.

Aos poucos, eles foram mobiliando a casa do jeito que minha mãe queria. Quando fiz dois anos, a casinha já tinha sofá, uma mesa de jantar de quatro lugares e uma televisão de segunda mão.

Apesar de viver numa casa humilde, eu tinha um lar de verdade. Meus pais se amavam e, mesmo sendo um homem sério e de poucas palavras, sentia que meu pai me amava muito. Ele é a pessoa mais honesta que eu conheço. Minha mãe disse que um dia ele achou um bolo de dinheiro e, mesmo desempregado, com uma filha recém-nascida, devolveu ao dono.

Já minha mãe era a mais carinhosa. E mais inteligente também. Terminou o que na época era o 2º grau e amava literatura. Tinha lido todos os livros que havia na escola que estudara em Aquiraz. E sempre que tinha oportunidade, pedia alguns emprestados. Inclusive, meu nome é Alice por causa de Alice no País das Maravilhas, livro de Lewis Carroll, que ela arranjou tempo para ler durante a gravidez.

A+B=∞ - A expressão de um amor improvávelOnde histórias criam vida. Descubra agora