Capítulo 12 - Agosto, 2021

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Logo num dos primeiros dias do mês perdi uma paciente. Dona Francisca, 76 anos. Tinha sérios problemas no coração, que vinha conseguindo driblar, mas não conseguiu vencer o infarto. Isso é o pior ônus de ser médica. Trabalhar em excesso é uma carga bem pesada, mas até suportável. Mas ver uma vida se esvaindo nas suas mãos, para mim, sempre foi a pior coisa que um médico pode passar. É uma dor que se mistura com a sensação de incompetência.

No início da minha vida profissional, passava vários dias para me recuperar totalmente. Hoje, demora uns dois dias, mais ou menos. É horrível de dizer isso, mas a gente se acostuma. Nesse caso da Dona Francisca talvez até demorasse mais dias, porque, no tempo em que esteve internada, ela tinha me conquistado com seu humor e gentileza.

Cheguei em casa nesse dia querendo o colo do amor da minha vida. Achei que ele já estivesse dormindo, porque já era quase 9h da noite. Mas recebi aquele colinho pequeno na hora em que abri a porta de casa. Ele correu gritando "mamãe chegou, mamãe chegou" e pulou em cima de mim. Dudu tinha o dom de me curar. Só em vê-lo meu estado de espírito melhorava. Abracei aquele corpinho de pele sedosa que só uma criança de 3 anos pode ter e o beijei na bochecha gordinha.

— Ainda acordado, meu amor?

— Tava "espelando" você, mamãe.

— Tá certo. — Olhei para a babá que já se aprontava para ir embora. — Ele já tá pronto?

— Já sim. Banhado e com a barriguinha cheia, né, Dudu?

— É!

— Você espera só eu tomar um banho?

— Espero sim, Dona Alice.

Instantes depois, voltei banhada para a sala. A babá se despediu de Dudu e de mim e foi embora. Eu continuava morta de cansada, física e emocionalmente. Mesmo assim, coloquei Dudu no colo e o levei até o quarto dele. Deitei com ele na cama, peguei o livro que estava lendo para ele e comecei a ler. Não deu nem cinco minutos, o sono o agarrou. O meu, nem sinal dele. O cansaço às vezes me dava insônia e fastio. Lembrei que não tinha jantado. Então, depois de cobrir o amor da minha vida com o lençol, fechei a luz e fui até a cozinha pegar algo para encher o estômago. A única coisa que me deu vontade de comer foi uva. Talvez porque fosse o mais fácil. Peguei um cacho e fui comendo até meu quarto.

Lá, liguei para Rafaela. Ela não dormiria lá em casa naquele dia. A gente tinha combinado que ela dormiria na casa dela alguns dias numa conversa que tivemos meses atrás. A conversa foi necessária, porque ela queria dormir comigo praticamente todos os dias, mas eu precisava do meu momento sozinha com meu filho e comigo mesma. Depois de quase uma hora de conversa, desliguei e coloquei na TV um reality de comida na Netflix. Esse era o tipo de coisa que eu gostava de assistir antes de dormir. Me ajudava a pegar no sono.

Quando estava quase cochilando, meu celular soltou um bip. Tomei um susto, mas o peguei para ler a mensagem, que dizia:

"Tá acordada? Desculpa a hora, é que tô aqui com Caio e tamo combinando outra viagem pra praia. E aí, rola? Só dizer o melhor fds pra você. E pode chamar quem você quiser"

"Posso te responder amanhã? Preciso ver minha escala de plantões."

"Beleza. Boa noite."

"Boa noite."

Era quarta-feira e Bruna estava com Caio àquela hora. Com certeza, estavam num bar ou coisa parecida. Acho que ela não me enviaria mensagem tarde da noite se não estivesse minimamente alcoolizada.

No dia seguinte, já no hospital, vi que só haveria um final de semana que eu estaria livre de plantão. O penúltimo do mês. Então, já liguei para André para combinarmos de Dudu ficar comigo naquele final de semana. Como Luana estava comigo, ela disse que iria também, mas confirmaria, só depois, se Rodrigo iria. Em seguida, confirmei com Bruna nossa ida. Só depois disso tudo enviei mensagem para Rafaela, achando que ela era certeza. Mas, recebi a informação de que ela precisaria viajar a trabalho justamente naquele final de semana. Depois dessa notícia, escrevi "depois a gente conversa".

A+B=∞ - A expressão de um amor improvávelOnde histórias criam vida. Descubra agora