Ramiro deu um pulo da poltrona quando bateram na porta 'Pra que deitar o braço na porta desse jeito? vai acabar partindo no meio' pensou. Deu de cara com Caio segurando uma caixa na mão.
— Fala patrão — cumprimentou — precisa 'deu' pra alguma coisa?
— Ah Ramiro, já pedi procê parar com esse negócio de patrão — entrou rindo no quarto — nós dois é amigo, já tivemo essa conversa.
— É o costume...que isso ai nessa caixa?
Caio colocou a caixa na mesa e foi tirando o que tinha lá, cadernos, canetas, lápis e alguns livros.
— Cê disse que ia começar a ter aula pra ler e escrever — apontou as coisas na mesa — trouxe essas coisa aí que tá sem uso lá em casa.
Pequenas ações que as pessoas fazem por ele desde que chegou em Nova Primavera o emocionam muito. Vive chorando porque nunca teve isso na vida, alguém querendo sua amizade, alguém que se dispõe a gastar o próprio tempo pra ensiná-lo a ler sem receber nada em troca ou alguém que trás materiais escolares porque soube de suas aulas.
Dante as vezes ria da ignorância dele mas dos peões era o que mais se preocupava com Ramiro, sempre levando comida e fazendo companhia quando percebia que o preto estava mais taciturno que normal.
Tentou segurar as lágrimas na frente de Caio mas não conseguiu, tinha virado um manteiga derretida.
— Que isso Ramirão? — abraçou forte o peão — num ter precisão de chorar, cê tem é que ficar alegre.
— Eu tô...cê é um amigão, brigado viu Caio?
— Disponha — se sentou e olhou Ramiro com um sorriso meio torto — e o que cê me fala do professor?
— Êeeee desfaz essa cara aí, o Kevinho é meu amigo — resmungou — tá certo que nóis já...cê sabe mas isso foi antes.
— Fala em amigo seu...Daniel ligou ontem e perguntou por ocê, falou que tava com saudade.
— Hum, bom pra ele — se ajeitou na cadeira e mudou de assunto — me responde um negócio, teu pai sabe do Daniel né? — espero Caio assentir — e ele aceita numa boa?
— Aceita, no começo ficou meio cabreiro mas com o tempo foi se acostumando, ele acha mais fácil aceitar logo do que ficar brigando.
— Ele é um bom homem, me tirou daquele inferno — fechou a cara lembrando do antigo trabalho — depois que vim pra cá que percebi como era ruim lá.
— É Ramirão, cê veio pra somar, todo mundo aqui gosta docê, mesmo cê sendo fechadão desse jeito.
~
A aula estava marcada pra sábado de manhãzinha e Kelvin levou bem ao pé da letra, antes das sete já tava batendo na porta do peão.
Ramiro já estava de pé, acordou antes das seis, pegou um pouco do café que o patrão servia aos empregados da fazenda para dividir com Kelvin.
Quando abriu a porta sorridente o loiro fez cara de decepção. Foi cedo justamente pra pegar o preto de cara inchada e em seus trajes de dormir.
—Bom dia Kevinho — o recebeu com um abraço apertado.
— Bom dia Rams — deu um sorriso mostrando todos os dentes — pulou cedo hoje em?
— Ah sim, fui buscar café pra nóis lanchar — mostrou a mesa cheia de comida — óia tem bolo, pão, café, se cê preferir tem leite tamém e essa bulachinha aqui ó a Angelina acorda todo dia antes das galinha pra fazer, é boa demais.
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inefável
RomanceRamiro, peão analfabeto recém chegado na cidade conhece Kelvin, garoto de programa. O sonho de Ramiro é aprender a ler e escrever para por em palavras o que tem em si. Kelvin conhece precariamente as palavras e mesmo assim é toda a ajuda que ele pr...