Daddy Issues - JEONGCHEOL

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Indicação: Leia ouvindo Daddy Issues de The Neighbourhood

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O que realmente é ser frágil?

Fragilidade parece algo pequeno, quase insignificante para quem olha de fora. Algo que você pode quebrar facilmente, sem nem perceber. Mas para quem vive dentro dessa casca de vidro rachado, é um peso constante. Crescer envolto em expectativas que não são suas, se moldar ao que esperam que você seja, mas nunca conseguir preencher o vazio deixado pela ausência de algo que nem você sabe o que é. Eu nunca soube, até encontrar Seungcheol. E ironicamente, foi ele quem me mostrou o abismo que ambos carregávamos.

Quando criança, eu observava meu pai como se ele fosse uma entidade inalcançável. Suas palavras, cortantes e cheias de desprezo, eram seguidas por silêncios tão profundos que me faziam acreditar que minha existência era uma mancha em sua vida perfeita. Eu não chorava. Aprendi a não demonstrar fraqueza, a reprimir minhas lágrimas, porque se ele visse, seria apenas mais uma prova de que eu era menos do que deveria ser. Por anos, fui um espelho quebrado, refletindo os pedaços distorcidos do que ele queria que eu fosse, enquanto tentava me esconder na sombra que ele projetava sobre mim. E de alguma forma, Seungcheol passou pelo mesmo, mesmo que de maneiras diferentes.

A primeira vez que o vi, ele estava em um canto, envolto pela escuridão que parecia familiar. Aquele olhar vazio, os ombros tensos como se carregassem o peso do mundo, como se fossem ceder a qualquer momento. Reconheci aquela expressão porque já a vi no espelho tantas vezes. Aquele era o olhar de alguém que carrega cicatrizes invisíveis, marcas deixadas não por agressões físicas, mas pelas palavras e ausências que moldam quem somos. Nossos pais nos ensinaram a nos endurecer diante do mundo, mas o que restava debaixo dessa couraça era o mesmo vazio desesperador que nos assombrava.

Não é fácil falar sobre isso, sabe? Admitir que, no fundo, somos apenas garotos que nunca superaram as expectativas e os fantasmas paternos. Crescemos tentando corresponder ao que nunca nos foi claramente exigido, mas sempre estava lá, pairando sobre nossas cabeças como uma nuvem de chuva que nunca se dissipa. E foi essa tempestade interna que nos conectou, mesmo que de uma forma doentia. De algum modo, nossa dor encontrou eco um no outro, e talvez tenha sido essa a maior ironia de todas. Encontramos consolo na destruição mútua.

Seungcheol era como uma droga para mim. Aquele amargo que vicia, que consome, que te arrasta para um ciclo de autodestruição sem fim. E eu era o mesmo para ele. Dois viciados, presos em uma dança interminável, tentando preencher os buracos deixados por figuras paternas ausentes e corrosivas. Ele me perguntou uma vez o que eu pensava enquanto estávamos juntos, e a resposta foi simples: eu pensava exatamente no que ele estava pensando. Porque nossos pensamentos giravam em torno do mesmo ponto, do mesmo vazio, da mesma carência disfarçada por uma fachada de indiferença. A gente sabia o que fazia, mas era como uma compulsão. Estávamos presos em uma necessidade desesperada de preencher o que nos faltava.

Houve momentos em que eu tentava escrever sobre ele, sobre nós, sobre a dor que compartilhávamos. Tentava eternizar nossas cicatrizes na esperança de que, de alguma forma, isso aliviasse o peso que carregávamos. Mas as palavras sempre falhavam. Elas nunca vinham da forma certa, nunca conseguiam capturar a profundidade daquele desespero. Era como tentar desenhar na chuva – o borrão inevitável, a falha em capturar o que realmente significava. E eu desistia, assim como desistia de tantas outras coisas. Porque a dor nunca parecia suficiente para ser transformada em algo belo. Era apenas dor. Crua, sem adornos.

Seungcheol chorava em silêncio. Eu também. Ninguém nunca soube disso, porque mantínhamos as aparências, mantínhamos a pose de quem não sente, de quem é insensível ao ponto de ser quase impenetrável. Mas, na verdade, éramos apenas garotos quebrados, tentando achar em nós mesmos algo que nunca nos foi dado. Seungcheol não precisava dizer para eu saber. O silêncio dele era ensurdecedor, assim como o meu. Nós nos entendíamos naquele abismo, naquela ausência de afeto paternal que nos corroía por dentro.

O que me assustava era o quão confortável aquilo se tornou. Em algum ponto, começamos a encontrar prazer no sofrimento alheio, porque era o único jeito que sabíamos de lidar com o nosso. E isso não era só culpa nossa. É fácil apontar o dedo, julgar, mas é uma cadeia de erros que nos transformou no que somos. Nossos pais fizeram o que podiam, ou o que achavam que era o certo, mas isso não muda o fato de que nos deixaram marcados de uma forma que ninguém deveria ser.

Quando ele foi embora pela primeira vez, não chorei. Eu estava acostumado com despedidas que nunca eram realmente definitivas. Mas quando ele se foi para sempre, algo dentro de mim quebrou de uma vez por todas. Não era apenas a ausência dele – era a constatação de que tudo aquilo que construímos juntos, toda aquela dor compartilhada, não significava nada no final. E o vazio ficou ainda maior. Fiquei imaginando para onde meu pai foi, para onde o pai dele foi. Será que eles ao menos sabiam o que fizeram? Será que importava?

Eu não estou completamente aqui. Não estive desde que ele se foi. Metade de mim desapareceu com ele. E a outra metade está presa nesse ciclo eterno de reviver memórias que deveriam ter sido enterradas. Mas elas não morrem, porque eu não consigo deixar de lado essa parte de mim que foi moldada pela ausência, pelo desprezo, pela falta. E essa falta é o que nos define.

Seungcheol tinha problemas com o pai. Eu também tinha. E talvez seja por isso que, no final das contas, estávamos destinados a nos destruir. Porque não sabíamos como amar de outra forma.

Notas do autor

Olha quem voltou?? (Nenhumasm novidades) mas eu espero que tenham gostando!!! Adeus 🫶❤️

SEVENTEEN ONSEHORT'SOnde histórias criam vida. Descubra agora