Solta minha mão mas solta sem força. Um abandono sutil travestido de ato de amor. Entenda bem, o girassol só brilha sozinho – solte, pois – lhe peço – minha mão devagar, deixe-me brilhar e, brilhando encontrar apelo no sol ou na tempestade de verão. Se despeça acariciando a palma da mão; fazendo carinho entre os dedos; tentando desencaixar o toque, como se fosse possível desprender o amor somente pelas mãos – o que nos resta, querida, é tentar desprender e falhar. Por favor, tente desprender mais de uma vez e, não conseguindo na segunda vez; terceira; quarta, não me peça para tentar desamarrar tua mão da minha – tente novamente, falhe novamente. Continue recitando poesia nas tuas redes, recite as cartas que escreveu para mim e deixe que eu as veja e escute por cem mil milhões de vezes, para ver se canso um pouco de te querer muito. Para mim só serve se for na tua voz, já lhe adianto: gosto mais dos teus trejeitos; tua bochecha rosada e envergonhada de ler o que escreve, como se o amor fosse motivo de guardar na gaveta – e é. Guarde com cuidado; zelo; precaução; amor; carinho. Não guarde com saudade porquê em gaveta não se guarda saudade – vai que outro cara te amarra pelas mãos e te convence que a gaveta está velha demais; que precisarão mudar de casa; de móveis novos; de gavetas que só cabem amor novo e não preservam amor antigo. E, no caso de levar a gaveta antiga, o montador poderia esquecer a saudade por aí pela mudança, mesmo que mudar seja o melhor a se fazer neste momento. Mesmo que esteja, agora, pedindo-lhe mudança; mesmo que eu te peça para desprender as mãos, mas, por favor, não guarde a saudade na gaveta. Guarde no bolso da sua calça jeans rasgada ou na bolsa preta do brechó – saudade a gente não guarda na gaveta, a gente guarda na calça jeans ou leva no peito. Conte de mim para todos os teus amigos; evite falar sobre os motivos; diga que foi como deveria ser; que ciclos se encerram; que estamos bem – pode mentir por mim nesta parte? Eu sei que consegue cortar as malaguetas do quintal da tua avó e fazer bolo de limão quentinho e me acordar bem cedo para assistir o futebol das 11h, mas mentir por mim, você consegue? Diga que estou bem; que quero ser girassol sozinho; que este sol que toca não queima minha pele; que esta tempestade não afoga-me em lágrimas(que a tempestade não é de lágrimas); que prefiro usar a mão para segurar o copo ao invés de segurar tua mão. Acaso não consiga mentir, está bem ainda, querida, porquê na cômoda daqui de casa ainda tem porta retrato de um casal lindo, e no peito ainda tem vontade de pegar e segurar a moça do porta retrato pelas mãos e sair descobrindo o toque e todo o canto que pode ser tocado – por mão e por amor. E, sinceramente? Eu adoro a tua gaveta velha.
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Antes Tarde Do Que Mais Tarde Ainda
Poesíapoesias para guardar na gaveta ou no peito