Isto nem é texto mesmo, que dane-se, que dissolva-se.Sobre a caixa que você entregou, que ela se dissolva também. Fui pego de supetão nesta manhã, – tento justificar – chorei um pouco quando a recebi. Estava lá: toda a história de um "amor". Estava lá também, todo o descarte de uma história de "amor". Eu chorei um pouco quando a recebi. Depois: chorei por não encontrar uma playlist para chorar direito – encontrei If I Aint Got You, da Alicia, "isto deve servir". Serviu. Estou escutando pela quisentésima vez, chorando por conta do refrão e por conta de ter de dividir minha sofrida audição com o alto barulho da ventoinha do video game – devo aumentar o volume da caixa de som ou desligar o video game? Devo sair correndo ou fechar os olhos? Às vezes passa. Às pressas, às vezes passa.
– Tem disco arranhado aí, deivinho? – minha vizinha, de fundo.
Eu continuo chorando, a Alicia Keys continua cantando, de fundo também. Minha vizinha mal sabe o por quê, como eu pouco sei o motivo de ainda estar chorando, eu nem gostava tanto de você mais. Eu prefiro acreditar que foi por conta da Alicia e da caixa, e surpresa e procura por um colo que não existe. Eu, de alguma forma, não me encaixo em nenhum lugar, é uma coisa um pouco freudiana, mesmo que o álbum Freudian, de Daniel Caesar de nada tenha a ver com isto – é, inclusive, o exato oposto. Eu estou chorando em luto, estou lendo as cartas descartadas, vendo os presentes devolvidos, a história descartada. Você disse que não queria nossa história por aí, entretanto não é justo deixar aqui comigo. Pelo menos não hoje – hoje não foi justo deixar aqui comigo. Veja: eu não tenho como varrer tudo isto para debaixo do tapete, minhas gavetas não cabem nada além de roupa velha e incenso de sândalo. Eu não tenho onde nos deixar. É quase que um sacrilégio à minha escolha. Eu taquei fogo numa das poesias, a primeira deste livro inclusive, estava impressa – eu manchei o chão e quase queimei a mão. Eu chorei depois disto também, por pura covardia sua e incompetência minha(você entrega uma poesia que por vontade própria imprimiu e eu sequer consigo colocar fogo nela de forma completa). Por sorte, está chovendo. Por sorte, é noite, agora. Por sorte, tenho uma marreta de 3KG – entretanto não se preocupe, eu não sou Maxwell, da famosa canção dos Beatles. Eu sequer mataria uma formiga com este martelo – eu vou matar a nossa história, retroalimentando o mesmo desprezo que outrora(hoje, mais cedo) me trouxestes. Eu preciso nos matar, mesmo que seja superficialmente, quebrando a caixa que me enviou – eu preciso matar o que você descartou.
É isto, eu estou escutando, agora, as músicas de Sam Smith – o choro se mantém com Lay Me Down, I'm Not The Only One, Leave Your Lover e I'm Too Good At Goodbyes.
Eu estou chorando pois acabou-se, agora, as músicas tristes, e começou uma música feliz e linda – Like I Can, like i wanted, inclusive. Desta vez, não tenho certeza de nada – não sei se choro por conta do fim das músicas tristes do Sam ou por conta do nosso fim, entretanto choro, deliberadamente.
Eu preciso emergir minha música nova – eu sempre preferi escutar Liniker. Mel, em específico.
Eu preciso estar sem você.
E, Sam, que se foda Like I Can e Money On My Mind. Neste mundo de abandono não há nada, e o dinheiro às vezes molda subterfúgios condescendentes com este momento em que destaco o abandono. Que se foda, Sam, a canção Money On My Mind. Que se foda todos os mundos de todos os refrãos e versos e estrofes. E, primordialmente, que se foda o mundo dos textos.
Isto nem é texto mesmo, que dane-se, que dissolva-se. Como dissolveu-se nosso "amor", como acabo de dissolver nossa história, à seis ou sete marretadas, do céu à caixa que me enviastes.
A gente não existe mais.
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Antes Tarde Do Que Mais Tarde Ainda
Poesíapoesias para guardar na gaveta ou no peito