𝙄𝙄𝙄

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    Os dois garotos e o guaxinim estavam deitados dormindo numa madrugada com uma forte nevasca que estava batendo com violência contra as madeiras que sustentavam sua cabana, entretanto nenhum dos 3 estava muito disposto a ficar acordado para temer a tempestade, quer dizer, era o que se achava, pois um relâmpago de proporções sobressalentes havia atingido em cheio uma das toras de madeira que sustentava a casinha, fazendo todos acordarem de repente e amedrontados pelo volume penetrante do clarão, e ficaram com mais medo ainda quando perceberam que o seu lar estava desabando conforme a neve batia com violência nele, e assim que a primeira tora cedeu, os três pegaram as coisas e saíram dali o mais rápido possível, e logo se encontraram sem lugar para morar em meio a tempestade de neve, o ruivo acabara de adotar o inverno como a pior estação do ano...

    Após perceberem que estavam desabrigados, o pequeno grupo foi passar a noite num canto da floresta onde a nevasca não pegava e passaram as noites seguintes por lá, coletando os escassos recursos de inverno para tentar construir uma cabana que fosse minimamente parecida com a que tinham, e depois de semanas de trabalho duro, com exceção do de olhos rosas que ainda estava um tanto machucado, tudo ficou pronto perto do finalzinho da estação fria, tanto que quando deram o trabalho como terminado, as primeiras flores da primavera começaram a desabrochar e deram um cenário lírico ao grande bosque, tanto o ruivo quanto o de olhos rosados ficaram encantados com a paisagem local, e fizeram dessa uma hora perfeita para se nomearem, pois perceberam que já estavam há duas luas unidos e não tinham um nome específico, por mais que o mais velho nunca tivesse pensado nisso pois não via necessidade, agora que estava acompanhado com alguém precisava de um cognome para si e para o outro garotinho, que também aparentava certa confusão com a forma que deveria se chamar, e de repente se vislumbrou com um nome e o adotou.

-Sempre quis me chamar de Lg! É um nome incrível! Pelo menos pra mim é formidável...

-Bom -O ruivo disse um tanto hesitante com a escolha, entretanto repensou e sentiu que seria bem mais simples só chamá-lo por duas letras, como uma codificação que só os dois conheciam -Esse não é um apelido ruim, pelo contrário, é interessante e incomum, eu sinceramente consenti -Terminou, recebendo um sorriso terno vindo do mais novo, do qual retribuiu com a mesma afetuosidade, e se nomeou com um chamado quase tão excêntrico quanto o do amigo.

-Me chamo Apuh, porque me lembra uma memória de um sonho perdido, como se eu estivesse esperando alguém para conduzir a estrada junto comigo, e esse nome burgueses nobres usam. 

-Não entendi uma palavra do que o senhor disse depois do "Me chamo Apuh", mas talvez você tenha falado algo poético, lindo e muito rico, pena que eu não tenho estudos para perceber a glória das suas declarações...

-Bem... Eu... Também não tenho estudos, para falar a verdade, eu não tenho nem um sentido pra vida, só sou alguém que tem fantasias ilusórias que talvez nunca aconteçam... Mas, ei, nós somos donos das nossas vidas agora, não precisamos obedecer o mundo. -Entretanto percebeu que Lg não estava mais ali e também estava muito calado, e quando se virara para ver o que havia acontecido, viu que tudo atrás dele estava uma completa bagunça que demoraria séculos para resolver, e este fitou Lg estressado, não pelo próprio garoto, mas sim pela desordem que tudo estava, entretanto não foi assim que o mais novo interpretou a situação.

   -Oh! Meu senhor, me desculpa! Não precisa se incomodar! Eu limpo...- Disse com o semblante quase em lágrimas, e o outro garoto lhe respondeu da maneira que lhe pareceu melhor -Não menino, você deve ter se confundido, eu tenho praticamente a sua idade, não sou seu senhor.- Entretanto aquilo não convenceu o garotinho que já começara a chorar -Mas você me salvou, e agora eu sou seu serviçal, é assim que as coisas funcionam!- O mais velho se aproximara, e dissera que não havia nenhum porque de seguir as regras ali. E continuara a filosofar sobre outras coisas enquanto os dois limpavam a confusão que fora feita, ele percebera aos poucos que Lg não era alguém muito animoso quando fazia alguma trapalhada, e passou o resto da arrumação tentando controlar o choro sem sucesso, entretanto o ruivo o entendia, afinal, não era muito comum alguém que fora lançado varanda abaixo por fazer besteira acabar por rir disso muito facilmente.

    Depois de quatro luas, a primavera havia chegado ao seu fim e dava aos poucos o seu posto ao ardor de verão, e o guaxinim completara sua jornada mundana e fora aos céus seguir as nuvens de um mundo distante aonde todas as almas iam após completarem o ciclo vital, Apuh estava bastante triste, mas sabia que a vida funcionava assim e ele infelizmente não era quem mudaria isso, enterrara o animal perto do lago em que sempre ficavam, pôs uma papoula em cima do pequeno túmulo e foi embora para se juntar com Lg na cabana, do qual estava bastante abatido pela partida do animal a quem se apegara tanto: -Oh Apuh... Coitadinho do Jhonatan... Ele era tão querido para mim... Me apeguei a ele como se fosse meu filho... -E chorara copiosamente em luto ao bicho, e Apuh se juntara a ele também em lágrimas, o juvenil não estava errado, os dois tratavam o animal como a um filho, e a partida arrancara pedaços que levaram muito tempo para serem curados, mas ambos tinham consciência de que era o ciclo, Jhonatan já era um guaxinim idoso antes de Lg ir morar com eles, tivera uma vida longa... E feliz... Apuh suspirara, e então começou a tomar a decisão de que o lugar já estava demasiado pequeno para a estadia deles, e dias depois contara a Lg, que concordou levemente relutante pelo fato de seu animal estar enterrado há poucos metros dali, e abandonar ele seria uma desonra para ele, entretanto entendia que eles já estavam com 12 anos e que não poderiam viver em uma cabana para sempre, então tomaram suas coisas, deram um último adeus à lápide do guaxinim e seguiram seu caminho, indo em direção ao pôr do sol, que naquele dia estava em tons de laranja vivo expressando a vivacidade quente que o verão trazia, e se não estivessem tão abatidos pela morte de seu "filho" eles estariam aproveitando a vista.

𝘼 𝙫𝙚𝙧𝙙𝙖𝙙𝙚𝙞𝙧𝙖 𝙧𝙚𝙘𝙤𝙢𝙥𝙚𝙣𝙨𝙖-𝑳𝒂𝒑𝒖𝒉Onde histórias criam vida. Descubra agora