Júlio Savoia
Traguei mais uma vez o cigarro contemplando a cena diante de mim. Alice estava deitada na cama com o lençol cobrindo apenas uma parte do seu corpo. O quarto era parcialmente iluminado apenas pela claridade que vinha de uma das janelas abertas. A pouca luz que era projetada em seu corpo só deixava a cena ainda mais inebriante.
Observá-la tornou-se um ritual obrigatório do meu dia, especialmente quando ela dormia. Eu adorava acompanhar o movimento suave do seu peito, subindo e descendo com cada respiração. O jeito inquieto com que ela se remexia na cama, buscando uma posição confortável, fazia seus cabelos ondulados se espalharem pelo travesseiro, oferecendo-me uma visão deslumbrante de seu corpo delicado.
Eu simplesmente não conseguia me saciar dela.
Desde a primeira vez que a vi, senti um fascínio inexplicável. Seus olhos expressivos encontraram os meus, e naquele instante, algo em mim mudou para sempre. E o mesmo aconteceu com meu irmão. Nós sempre tivemos o hábito de compartilhar tudo, inclusive mulheres, mas isso nunca passou de encontros superficiais, desprovidos de significado.
Nunca imaginei que nos apaixonaríamos pela mesma mulher, ainda mais por alguém como Alice, doce e inocente.
Alice possuía uma doçura natural que transparecia em cada gesto, cada palavra. Essa combinação de traços a tornava única, uma alma inocente em um mundo corrompido, e talvez fosse justamente isso que a tornava tão irresistível para nós.
Éramos o completo oposto. Enquanto ela irradiava virtudes, nosso mundo estava imerso em sangue e violência. Cada decisão que tomávamos era marcada pela crueldade e pela força. Ela, com sua luz e boas atitudes, era um pecado nesse universo brutal que habitamos.
Se existe um Deus nessa terra, ele jamais deveria tê-la permitido em nosso caminho.
Olhei para sua mão enfaixada e senti uma onda de irritação crescer dentro de mim ao lembrar dos últimos acontecimentos. Isso não deveria ter acontecido. Meu irmão raramente perdia o controle dessa maneira, porque isso o aproximava demais da sombra daquele que, infelizmente, chamamos de pai. De todos que sofreram nas mãos dele, Daniel foi quem carregou o maior peso. É uma cicatriz que nunca desaparece, uma horda de demônios que o assombra a cada segundo, forçando-o a travar uma batalha incessante contra os próprios pensamentos.
Naquela primeira noite deixamos Alice sozinha no escritório por alguns minutos. Ela nem percebeu, mas Daniel saiu do quarto como se estivesse fugindo de um pesadelo. Eu sabia o motivo: ele precisava se afastar antes que as coisas ficassem ainda mais fora de controle.
A mera possibilidade de sua fuga ter sido bem-sucedida era suficiente para me deixar furioso. Ela conseguiu despistar nossos soldados enquanto estávamos fora em uma reunião importante. Daniel fez questão de matar pessoalmente todos os incompetentes envolvidos. Soltei um riso abafado. Quando se tratava do meu irmão gêmeo, matar nunca era apenas isso. Ele adorava brincar com suas vítimas antes de finalmente acabar com elas.
Alice presenciou tudo, e essa foi apenas uma das primeiras consequências de sua ousadia. Mas claro, ela não foi apenas uma espectadora—nossa doce Alice participou ativamente do processo. Fiz questão disso.
Ela ainda não entendia, mas estava prestes a aprender que fugir de nós era uma ilusão. Alice precisava compreender, de uma vez por todas, que nunca conseguiria escapar. Não importa o quanto tentasse, o quanto lutasse; cada passo em direção à liberdade seria sempre interrompido.
Ela pensou que poderia nos desafiar, que havia uma saída. Mas ela aprenderia que nós éramos sua única realidade.
Alguns minutos depois que a deixamos, meu irmão voltou para pegá-la enquanto eu chamava o médico. Temos uma equipe discreta e eficiente à nossa disposição. Ele a trouxe desmaiada nos braços, com a mão ensanguentada deixando um rastro pelo piso polido, e a colocou cuidadosamente na cama. O médico chegou logo em seguida e começou a tratar o ferimento. Ao terminar, Dr. Fábio deixou todas as instruções necessárias para cuidarmos do seu ferimento.
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Os irmãos Savóia
General FictionAlice Macedo, uma talentosa e criativa joalheira, vive uma vida tranquila dedicando-se à sua paixão: criar joias deslumbrantes e únicas. Sua rotina pacífica, no entanto, é abalada quando ela se torna alvo da perigosa obsessão de Daniel e Júlio Savoi...