Alice Macedo
A biblioteca da mansão era um lugar imponente, cercado por paredes de mogno escuras e estantes altas. Eu estava sentada em uma das poltronas de veludo, um livro aberto em meu colo, mas meus olhos não conseguiam focar nas palavras. Eles haviam saído algumas horas atrás e a ausência me deixava um pouco mais em paz, algo que raramente experimentei desde que vim parar aqui. Pude, pela primeira vez, sentir o espaço ao meu redor, respirar o ar sem o peso constante do olhar deles.
Eu precisava disso, mesmo que temporário. Precisava colocar minha cabeça em ordem. Eu não posso apenas reagir. Preciso pensar, elaborar uma maneira de fugir desse lugar. Minha mente e meu corpo estavam exaustos, era como se eu estivesse sempre em modo sobrevivência e isso me deixava exausta.
O segurança de pé perto da porta era uma lembrança constante da minha realidade. Ele estava ali, discreto, mas não menos opressor. Seus olhos me seguiam de longe. Não importava o quanto eu tentasse ignorar, sua presença silenciosa me fazia sentir sufocada, enclausurada em uma liberdade fictícia.
Suspirei e, instintivamente, olhei para minha mão. A pequena cicatriz que agora estava ali era uma lembrança eterna. O corte havia sarado, e os movimentos voltaram quase ao normal completamente. Daniel tinha sido incansável em sua atenção à minha recuperação. Cada exercício recomendado pela fisioterapeuta era supervisionado de perto por ele que fazia questão de fazer junto comigo. Ele sempre se certificava de que eu cumprisse cada movimento.
Fechei o livro, sem sequer lembrar qual era a história, e me levantei lentamente. Passei os dedos pelo meu celular no bolso e tirei os fones de ouvido. Eles tinham me devolvido o aparelho, mas apenas os aplicativos de música e séries estavam disponíveis, todo o resto bloqueado. Como se eu fosse uma criança sob supervisão. Coloquei os fones e procurei uma música qualquer, algo para preencher o silêncio sufocante ao meu redor enquanto me afastava da biblioteca.
Caminhei pelos corredores da mansão, observando os detalhes ao meu redor. Os tetos eram altos, com detalhes em gesso que lembravam esses palácios antigos. Cada canto daquela casa exalava opulência, mas para mim, era apenas mais uma prisão.
Enquanto andava, algo chamou minha atenção. Uma porta lateral, que estava ligeiramente entreaberta, deixando escapar uma corrente de ar fresco. Era a saída para o jardim. Não resisti e deslizei até a porta, sentindo a brisa fresca tocar meu rosto assim que a atravessei.
O jardim era grande, parecia uma obra de arte viva. Árvores altas cercavam o espaço, dando sombra e privacidade, e os canteiros de flores coloridas se espalhavam em pelo gramado. Olhei a grama bem cuidada e resolvi tirar os sapatos. Caminhei por entre os arbustos, sentindo a grama macia sob os meus pés, os pássaros cantando ao longe como se aquele fosse um mundo completamente diferente do que existia dentro da mansão.
Foi então que avistei um pequeno banco de madeira na sombra de uma árvore. As folhas criavam um abrigo natural, e o local parecia completamente isolado do restante do jardim, um esconderijo que eu nunca havia notado antes. A surpresa de encontrar aquele lugar me fez sorrir pela primeira vez em muitos dias.
Me sentei no banco, ajustando os fones nos ouvidos, e deixei a música me envolver. O som que tocava era Linger, de The Cranberries. Olhei ao redor, admirando a calma do ambiente. Era um alívio estar sozinha, longe dos olhos vigilantes e da tensão constante. Era quase como se eu pudesse ser eu mesma novamente. Não essa versão estranha e amedrontada do presente. Enquanto a música tocava, meus pensamentos começaram a vagar, e, inevitavelmente, me lembrei de como tudo isso começou.
...
Estava na praça de alimentação do shopping, almoçando. Eu ainda tinha muitas burocracias da loja para resolver e resolvi pegar um almoço rápido, tentando aproveitar os poucos minutos de folga. Estava distraída, mexendo no celular e checando algumas mensagens, quando senti uma presença forte se aproximar.
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Os irmãos Savóia
General FictionAlice Macedo, uma talentosa e criativa joalheira, vive uma vida tranquila dedicando-se à sua paixão: criar joias deslumbrantes e únicas. Sua rotina pacífica, no entanto, é abalada quando ela se torna alvo da perigosa obsessão de Daniel e Júlio Savoi...