Capítulo 10

828 101 10
                                    

Daniel Savoia

O sol já começava a se esconder no horizonte, pintando o céu com tonalidades de laranja e roxo. Mas dentro daquela sala abafada, com o vapor quente se levantando da água, o tempo parecia ter parado. Alice estava em meus braços, envolta pela água morna e perfumada da banheira, era o único foco da minha atenção. Seus fios soltos do coque deixavam mechas escuras e rebeldes caírem sobre sua pele, e eu não conseguia desviar os olhos. Não importava quanto tempo passasse, nunca seria o bastante.

Eu queria tudo dela. Tudo.

O perfume das velas cítricas que eu havia acendido permeava o ar, misturando-se com o calor da água e o cheiro natural de sua pele. Sabia que esse aroma era o favorito dela. Estávamos na banheira, seu corpo encaixado entre as minhas pernas, o meu braço direito repousando na borda, enquanto a minha mão esquerda deslizava pelo seu ventre. Sentia sua cabeça encostada em meu peito, o ritmo de sua respiração lenta e tranquila.

— No que está pensando? — perguntei, minha voz baixa.

Ela permaneceu em silêncio por alguns instantes.

— Que você e seu irmão são pessoas cruéis.

Meus dedos continuaram a percorrer a pele macia de seu ventre, quase como uma resposta automática. Eu sabia que ela estava certa. Sempre soube. A crueldade que eu e Júlio carregamos fazia parte de nós, moldava nossas ações, nossos desejos.

— Sofia é o oposto de vocês...

Parei por um segundo,refletindo suas palavras. Havíamos feito tudo o que podíamos para manter Sofia longe de tudo isso. Criamos uma redoma em torno dela, protegendo-a do caos, da violência, da sujeira que sempre nos cercava. Mas, por mais que tentássemos, às vezes os respingos de sangue ainda chegavam até ela.

— Sofia é o oposto de nós porque nós escolhemos isso para ela — continuei, a minha mão deslizando devagar de seu ventre para sua coxa, traçando linhas lentas e meticulosas.

Ela permaneceu em silêncio e eu me vi querendo ouvir mais da sua voz, me dando conta de que nunca tivemos uma conversa real. Nunca ouvi da parte dela histórias sobre sua família, sua vida...

— Há quanto tempo não fala com seu irmão? — perguntei, na tentativa de ouvi-la falar mais sobre sua vida. Mas a pergunta não teve o efeito desejado. Seu corpo inteiro ficou tenso com a minha pergunta.

— Não costumamos ter contato com frequencia — respondeu após um tempo. Suas palavras pareciam cuidadosas, como se ela tivesse receio de dizer qualquer coisa errada.

Balancei a cabeça, sabendo que o que ela dizia era verdade. Os pais de Alice haviam se separado e seu pai levou seu irmão para fora do país, na Alemanha. Os dois vivem lá até hoje, nunca tiveram uma relação próxima com Alice. Seu irmão apenas passou a ser um pouco mais presente após a morte da mãe deles alguns anos atrás.

— Você gostaria que fosse? — isso era algo que me deixava curioso. No apartamento dela havia uma foto dela com seu irmão tirada em uma viagem que Alice fez para a Europa. A imagem foi tirada antes mesmo da morte de sua mãe.

— Não — respondeu — Podemos sair? A água está ficando fria. — perguntou. Uma pontada de frustração me atingiu. Mas ignorei o sentimento e me levantei, ajudando-a a sair da banheira.

A água estava de fato ficando fria. Mas esse não era o real motivo dela querer sair da banheira e encerrar o assunto.

Sequei seu corpo com a toalha enquanto ela permanecia em silêncio. A última conversa que tive com Júlio reverberando na minha cabeça. Nós precisávamos mudar o jogo...

Os irmãos SavóiaWhere stories live. Discover now