Alice Macedo
Depois de muitos dias, consegui convencê-los a passar um tempo sozinha no ateliê. A mesa estava coberta de desenhos, a maioria de coisas aleatórias que eu criava para preencher o tempo. O som do lápis riscando o papel era meu único alívio.
As coisas têm estado...diferentes.
Todo o stress que o atentado trouxe parece ter virado uma chave no comportamento deles. Júlio estava introspectivo, mergulhado em papéis e ligações. As vezes, quando ele estava no ambiente, percebia o seu olhar sobre mim. A testa franzida, uma expressão que eu não conseguia decifrar. Já Daniel estava determinado a passar qualquer minuto que tivesse grudado em mim. A postura sempre tensa, como se a qualquer momento os homens que nos atacaram na festa fossem arrombar a porta e aparecer.
Mas eu simplesmente não conseguia encarar com bons olhos toda essa mudança. Meu cérebro racionalmente esperava que essa tranquilidade toda iria passar em algum momento e eles iriam voltar a ser os mesmos monstros que conheci.
Ouvi o som de passos atrás de mim, e soube que era Daniel antes mesmo de ele falar.
— Você já está a um bom tempo aqui. — disse, se aproximando.
Não respondi de imediato, apenas continuei desenhando.
— Eu gosto de desenhar — respondi finalmente, sem olhar para ele. Uma parte de mim queria se rebelar e me manter calada. Mas outra parte tinha medo das consequências disso.
Ele se aproximou, parando ao meu lado. Vi sua mão deslizar sobre a mesa, os dedos tocando um dos desenhos.
— Pensei que fosse fazer algo para você mesma. Algo para a loja.
Houve uma pontada no peito ao ouvir isso, mas não deixei transparecer.
— A loja não faz parte do meu presente. — respondo.
Daniel ficou em silêncio por um momento, mas eu podia sentir sua frustração com a minha resposta.
Daniel ficou em silêncio por um momento, mas eu podia sentir sua frustração. Ele não sabia o que dizer, e honestamente isso era quase reconfortante.
— Tudo foi organizado para que você pudesse dar continuidade, nos prepa...— disse depois de um tempo.
— E quando houvesse uma reunião? Principalmente se fosse com um homem. Um fornecedor... — o interrompi.
Ele trincou o maxilar, permanecendo em silêncio.
— Alice... — ele começou, mas eu o interrompi novamente.
— E quando eu precisasse viajar, fazer conexões? Divulgar o meu trabalho? Vocês permitiriam? — continuei.
— Daríamos um jeito.
— Claro. E quando eu me negasse, quando algo não saísse como vocês gostariam, tudo terminaria como sempre. Eu não vou trazer pessoas para o meu convívio arriscando a vida delas no processo.
Minhas palavras parecem ter sido um balde de água fria. Sua expressão demonstrava um descontentamento evidente.
E mais uma vez eu tive aquela sensação desconcertante que vem me cercando a dias. Como se já não houvesse mais espaço dentro de mim para engolir qualquer sentimento. Era raiva, medo...indignação...tudo junto.
Ele não tem o direito de se sentir insatisfeito...
— Você acha que pode construir um ateliê, me dar uma sala cheia de ferramentas, e isso vai apagar tudo o que aconteceu? Ou que eu vou me contentar com essa falsa ilusão de liberdade?
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Os irmãos Savóia
General FictionAlice Macedo, uma talentosa e criativa joalheira, vive uma vida tranquila dedicando-se à sua paixão: criar joias deslumbrantes e únicas. Sua rotina pacífica, no entanto, é abalada quando ela se torna alvo da perigosa obsessão de Daniel e Júlio Savoi...