Alice Macedo
Acordei com um sobressalto, o corpo inteiro latejando de dor. Cada músculo parecia rasgar por dentro, e a coleira em meu pé era um lembrete constante da minha prisão. O pesadelo da noite passada ainda assombrava meus pensamentos: os gritos, o sangue, os olhos vazios e sádicos de Júlio e Daniel. Engoli em seco para não vomitar, tentando manter o estômago sob controle. Eu me sentia suja, imunda... mas, pior que tudo, me sentia culpada. Como meu corpo pôde me trair daquela forma?
Uma onda de horror me percorreu ao lembrar de como meus gemidos se misturaram aos gritos de agonia. O toque de Júlio ainda queimava em minha pele. Eu queria arrancar cada pedaço de mim que tinha reagido a ele, mas sabia que não tinha como escapar disso. Eu era uma prisioneira não só deles, mas também de mim mesma. "Você é um monstro," minha mente sussurrava repetidamente. "Uma vadia doente."
Movi-me lentamente, tentando me acostumar com a corrente que prendia minha coleira ao pé da cama. O metal frio me queimava como um peso impossível de ignorar. Olhei para a porta, sabendo que estava trancada. Eles disseram que eu não teria um momento sozinha até que "pudessem confiar em mim novamente". Ri amargamente para mim mesma.
O som da porta se abrindo me tirou dos pensamentos. Júlio entrou no quarto com seu típico sorriso fácil, aquele que sempre mascarava a frieza que habitava nele. Seus olhos me examinaram lentamente, passando por cada detalhe como se estivesse admirando uma obra de arte que já conhecia de cor. Parecia genuinamente encantador, quase carismático, mas eu sabia que não podia confiar naquela fachada. Júlio era tão perigoso quanto Daniel, apenas mais sutil. Seu olhar, embora calmo e envolvente, carregava uma intensidade que me fazia estremecer. Havia um certo prazer em seu comportamento, um controle calculado que sempre me mantinha alerta, como se ele se divertisse em me ver submissa à sua vontade.
— Bom dia, meu anjo — disse ele, com aquela voz suave — Dormiu bem?
Eu queria gritar, queria jogar algo na cara dele, mas me controlei. Sei que resistir só vai piorar as coisas para mim. Em vez disso, assenti lentamente, sem ousar olhar em seus olhos.
— Ótimo. Daniel está preparando o café. — Ele fez uma pausa, e eu senti seus olhos queimando na minha pele. — E Sofia ligou, ela quer falar com você.
Meu coração deu um salto ao ouvir o nome de Sofia. Apesar de ser irmã de Júlio e Daniel, ela era a única ligação que eu tinha com algo que ainda parecia normal e acolhedor. O pensamento dela me trazia um pequeno alívio em meio a todo o caos. Desci as escadas, com Júlio me seguindo de perto. Ele discou o número e me passou o telefone. Quando Sofia atendeu no segundo toque, sua voz estava cheia de preocupação.
— Alice? Finalmente! O que está acontecendo? Por que você não está atendendo o celular?
Meu coração apertou. Eu queria dizer tudo, pedir ajuda, implorar que ela fizesse algo, mas eu sabia que isso não resolveria nada. Ela já estava sendo forçada a casar com Pedro, um homem que a aterrorizava. Eu não poderia jogar mais peso sobre ela.
— Ah, Sofia... Desculpa, acho que o telefone estragou. Mas está tudo bem por aqui. E você, como está?
Houve um silêncio tenso do outro lado. Depois de um momento, sua voz voltou, hesitante.
— Eu... estou bem. O casamento está se aproximando, você sabe. Não sei se estou pronta para isso, Alice. Pedro é... — Sua voz falhou, e senti uma pontada de dor no peito. Ela estava tão assustada quanto eu, presa em uma armadilha diferente, mas igualmente terrível.
— Você é forte, Sofia. Sei que é. Vai dar tudo certo. — Minha voz soava firme, mas por dentro eu sabia que era uma mentira. Eu não podia ajudá-la, nem a mim mesma.
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Os irmãos Savóia
General FictionAlice Macedo, uma talentosa e criativa joalheira, vive uma vida tranquila dedicando-se à sua paixão: criar joias deslumbrantes e únicas. Sua rotina pacífica, no entanto, é abalada quando ela se torna alvo da perigosa obsessão de Daniel e Júlio Savoi...