Capítulo 13

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Kiara.
Leio a notificação de "ligação efetuada" do meu pai e fecho os olhos com força, emitindo um suspiro aterrado. Ajudo Rafael a colocar as malas no carro e paro no exato instante que ele percebe o som do meu celular e diz que posso atender sem problemas e que ele terminaria a tarefa sozinho. Deixo a ligação cair e vou até o quarto da Manu conferir se ela ainda dorme, embora tenha certeza de que se ela tivesse acordado, eu já teria ouvido. Só precisava de uma desculpa para evitar o assunto que mais me melancoliza e aflige. E sei que meu pai insiste em falar sobre porque é da filosofia de que precisamos conversar sobre nossos problemas com outras pessoas para reduzir o seu peso.

Concordo que dividir a dor com alguém deixa o processo mais leve, mas nada que eu diga é suficiente para fazer as pessoas entenderem o tamanho da minha aversão pela mulher que me deu à vida. Sempre ouço as mesmas falácias "Independente de qualquer coisa, ela é sua mãe." "Perdoe para se libertar!". "Quer mesmo ser como ela?" E já me senti muito culpada pelo rancor em mim ser maior que qualquer instinto de humanidade, já que não sei se um dia vou conseguir perdoar e seguir em frente normalmente. Só eu entendo as coisas que eu vivi e, desse modo, concluo que as minhas batalhas jamais poderão ser entendidas por terceiros.

Curiosamente, minha matéria favorita da escola era filosofia. Adorava saber a opinião de grandes intelectuais e a forma como eles descreveram o mundo atual há séculos atrás e até hoje, gosto de aplicar seus pensamentos à minha realidade. Schopenhauer dizia que somente quando estamos sozinhos somos verdadeiramente livres e isso me deixa ainda mais certa sobre meus pensamentos em relação à conduta com minha mãe. Isso porque ninguém melhor que eu entende as minhas posturas e, diante da sociedade e de todos que acham que têm uma visão panorâmica de tudo que aconteceu, sempre sou considerada ingrata e infantil, ainda que de modo velado.

Respiro fundo e retorno a ligação.

—Oi, pai. Bom dia.

—Bom dia, princesa. Tudo bem?

—Viu o comentário da Anna na minha foto, né?

—Também estou bem, filha. Obrigado por perguntar!

—Não quero rodeios, pai. A situação já é cansativa o suficiente e eu sei o que o senhor tem a dizer. Não quero ter essa conversa.

—Você não acha que isso te faz mal?

—Ela me faz mal. E ignorar sua existência me deixa leve. Acabei de bloquear por sinal.

—Filha...

—O que o senhor faria com alguém que desejasse meu mal? Como agiria? Eu perdoei todas as vezes que ela me magoou, porque sempre coloquei o meu amor por ela acima de tudo. Até a minha filha nascer e eu repudiar qualquer pessoa que ouse destratá-la. Ela se recusou a conhecer a Manu e disse que preferia que ela não tivesse nascido. Ela não tinha que se meter nisso porque foi uma escolha minha e eu esperava que ela me respeitasse independente do que eu decidisse fazer, o que não aconteceu. O senhor não faz ideia do que é isso.

Não obtenho resposta. Sou capaz de apostar  que ele está refletindo sobre, mas tenho certeza que não vai adiantar muita coisa.

—Preciso acordar a Manu para não chegarmos tarde em Angra. Te amo, pai!

—Te amo também.

Desligo a chamada e sinto um aperto no peito que é rapidamente compensado por uma vozinha de sono me dando bom dia. E essa é a minha força 'pra encarar julgamentos diários, porque tudo que me importa é como a Manu me enxerga. O resto é consequência.

The other side, jiara.Where stories live. Discover now