Capítulo 8: O Refúgio de Aerdoria

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Kael se encontrou na cidade de Aerdoria, um lugar que ele nunca havia imaginado existir. Escondida entre montanhas escarpadas e florestas densas, Aerdoria era uma cidade onde seres de todas as formas e origens viviam em harmonia. Híbridos de dragões e humanos, criaturas da floresta e até demônios caminham lado a lado nas ruas de paralelepípedos. Para Kael, que estava acostumado a um mundo onde as fronteiras entre as espécies eram rigorosamente respeitadas, Aerdoria parecia um sonho estranho e impossível.

Ele chegou ao entardecer, guiado apenas por uma vaga sensação de que deveria estar ali. O céu estava tingido de laranja e púrpura, e a luz suave do sol poente refletia nas águas de um grande lago que ocupava o centro da cidade. Em torno dele, casas de pedra e madeira estavam entrelaçadas com a vegetação, criando uma paisagem que parecia fundir-se com a natureza. Kael sentiu uma tranquilidade incomum ao caminhar pelas ruas sinuosas, sua presença quase despercebida entre os habitantes diversos.

Kael estava em busca de respostas. A quietude da cidade, a sensação de paz que ela emanava, parecia contrastar com o turbilhão de pensamentos que lhe ocupava a mente. Desde que havia saído de Tropan, ele sentia que algo o puxava para Aerdoria. A cidade tinha uma reputação como um santuário, um lugar onde criaturas e híbridos podiam viver sem medo de perseguição, mas também era conhecida por ser um lugar de antigos segredos, onde memórias enterradas podiam ser descobertas.

Ele passou pelos mercados, onde seres de diferentes raças negociavam de maneira amigável. Criaturas com asas, chifres, e escamas conversavam com humanos sem qualquer sinal de desconfiança ou medo. Vendedores ofereciam de tudo, desde frutas exóticas até armas encantadas. Kael observou tudo com uma mistura de curiosidade e desconforto. Ele não se sentia completamente à vontade em um lugar onde tantos pareciam se conhecer tão bem.

Eventualmente, Kael foi atraído por uma estrutura mais afastada, uma antiga biblioteca, suas paredes cobertas por vinhas floridas e sua entrada marcada por arcos de pedra esculpida. Ele sentiu uma pulsação familiar naquele lugar, como se algo ali o chamasse. Entrou na biblioteca, onde o ar era pesado com o cheiro de pergaminhos e livros antigos.

Os corredores eram silenciosos, exceto pelo ocasional farfalhar das páginas sendo viradas por algum estudioso em busca de conhecimento. Kael andou sem rumo pelas prateleiras, até encontrar um salão amplo, cujas paredes eram cobertas por murais representando criaturas míticas e híbridas em cenas de paz e harmonia. No centro do salão, uma mesa de mármore estava coberta por um mapa da região, e sobre ela repousava um único livro antigo.

Kael se aproximou e, hesitante, abriu o livro. As páginas estavam escritas em uma língua que ele não reconhecia completamente, mas que despertava algo dentro dele, uma memória quase esquecida. Os escritos falavam de um dragão antigo, conhecido por sua sabedoria e seu trágico destino. Ao continuar lendo, Kael percebeu que o livro não era apenas uma narrativa histórica, mas um compêndio de rituais e magias antigas, muitas das quais destinadas a criaturas reencarnadas.

Ele foi interrompido por uma voz baixa e rouca atrás dele. "Procurando por algo específico, viajante?" Kael virou-se e viu um ser encapuzado, com feições parcialmente ocultas pelas sombras. A figura tinha olhos brilhantes que refletiam a luz fraca da sala, revelando uma natureza que não era inteiramente humana.

"Estou tentando entender..." Kael começou, hesitante em revelar demais sobre si mesmo. "Estou em busca de respostas sobre o passado e como ele pode moldar o futuro."

O ser encapuzado riu suavemente. "Aerdoria é um lugar de segredos, jovem dragão. Muitos vêm aqui em busca de respostas, mas nem todos estão prontos para o que encontram. O que exatamente você espera descobrir?"

Kael hesitou, mas sabia que precisava de orientação. "Quero entender o que significa ser reencarnado, e se o passado de uma vida anterior deve definir meu destino."

"Ah, a reencarnação," murmurou a figura, aproximando-se. "É um fardo e uma bênção. Mas neste lugar, você pode encontrar fragmentos de quem você era e, talvez, decidir quem você deseja ser. Não são poucos os que passaram por Aerdoria buscando a mesma coisa que você. Alguns conseguiram as respostas que desejavam, outros... ficaram presos em suas próprias dúvidas."

A figura indicou um dos murais na parede, onde um dragão e um demônio estavam representados lado a lado, com uma expressão de mútua compreensão e tristeza. "A questão que você deve se fazer é: você está pronto para aceitar as verdades que descobrirá, mesmo que elas mudem tudo o que você acredita ser?"

Kael observou o mural em silêncio. Ele reconhecia os rostos, mesmo que nunca os tivesse visto antes. Sentiu um peso em seu peito, uma conexão inexplicável com aquelas figuras, mas que ele ainda não compreendia completamente.

"Eu... não sei," Kael admitiu, finalmente. "Mas preciso tentar. Não posso continuar vivendo na sombra de algo que não entendo."

O ser encapuzado assentiu. "Então, Aerdoria é o lugar certo para você. Continue sua busca, jovem dragão. As respostas estão aqui, mas lembre-se, nem todas as verdades são fáceis de aceitar."

Kael agradeceu e saiu da biblioteca, carregando o livro antigo com ele. Ele passou o restante do dia explorando a cidade, absorvendo a atmosfera única de Aerdoria, mas sempre com o peso da conversa em sua mente. Ele sabia que Aerdoria tinha muito a revelar, não apenas sobre si mesmo, mas sobre o legado que ele poderia escolher ou rejeitar.

À noite, enquanto a lua brilhava sobre o lago e a cidade era envolta em um silêncio tranquilo, Kael se encontrou de pé em uma colina com vista para a cidade. Ele segurava o livro contra o peito, sentindo-se mais perto das respostas que buscava, mas também mais ciente das escolhas difíceis que o aguardavam.

E assim, em Aerdoria, Kael deu mais um passo na jornada para descobrir quem ele realmente era, e como o passado de Kael'thar poderia influenciar seu próprio futuro. Mas uma pergunta persistia em sua mente: estaria ele destinado a repetir os erros de seu antecessor, ou poderia ele, finalmente, quebrar o ciclo e forjar um novo caminho?

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