Capítulo 9: Ecos do Passado

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Kael caminhava pelas ruas tranquilas de Aerdoria, seus pensamentos dispersos, enquanto seus pés o levavam sem rumo certo. A cidade era um lugar único, um refúgio para todas as criaturas, híbridos, e seres que buscavam paz em meio a um mundo repleto de conflitos. Aqui, ninguém perguntava sobre seu passado, e ele não precisava dar respostas. Mas, recentemente, algo em seu interior parecia estar despertando, como se as sombras de sua vida anterior começassem a invadir sua nova existência.

Os rumores sobre Kael’thar, o lendário dragão do mar, tinham se tornado comuns nos últimos dias. Ele os ouvia nas tavernas, nas conversas entre os comerciantes, e até mesmo nos murmúrios das crianças brincando nas ruas. Para Kael, era apenas mais um nome entre tantos que preenchiam os contos e lendas da região. Mas, havia algo perturbador sobre o que falavam, algo que fazia seu coração bater um pouco mais rápido sempre que o nome surgia.

“Dizem que ele foi um tirano,” uma voz baixa sussurrou enquanto Kael passava por um pequeno grupo reunido ao redor de uma fogueira. “Outros dizem que ele foi um herói, mas que cometeu um erro terrível.”

Kael parou, fingindo interesse em uma banca de frutas próximas, mas suas orelhas se mantinham atentas à conversa.

“E agora falam que ele está reencarnado, vagando sem memória, mas ainda carregando os fardos do passado,” continuou a voz, com um tom conspiratório.

Kael sentiu um arrepio correr por sua espinha. Por que essas palavras o perturbavam tanto? Ele não era Kael’thar, e nunca havia sido. Mas, algo no fundo de sua mente gritava o contrário, uma verdade escondida que ele ainda não estava pronto para aceitar.

As noites em Aerdoria estavam longe de serem tranquilas para ele. Toda vez que Kael fechava os olhos, era assombrado por sonhos que pareciam mais reais do que a própria vida. Ele via o mesmo demônio, sempre ferido, sempre em dor, e Kael se via ao lado dele, tentando salvá-lo de uma maneira desesperada e irracional. O mais estranho era que ele nunca conseguia lembrar os detalhes quando acordava, apenas a dor no peito e a sensação de perda.

Naquela noite, os sonhos vieram novamente, mas com uma intensidade nova. Ele se viu segurando o demônio em seus braços, o sangue escorrendo pelas suas mãos. Havia um desespero nos olhos daquele ser, um pedido de ajuda que Kael não sabia como responder. E então, em um impulso, ele arrancou seu próprio coração, sentindo a agonia atravessar seu corpo, e o entregou ao demônio. A dor era insuportável, mas algo em seu interior dizia que era a coisa certa a fazer.

De repente, uma nova cena surgiu. Ele estava de pé diante de um ser que parecia envolto em sombras, com olhos brilhantes e severos. A figura, que ele não conseguia distinguir claramente, pronunciou palavras que ecoaram em sua mente.

“O que foi que você fez, Kael’thar? Você sabe o que pode acontecer por isso.”

Kael acordou com um sobressalto, sua respiração pesada e seu corpo coberto de suor. Ele não conseguia mais ignorar a verdade que estava se revelando em seus sonhos. O nome Kael’thar, antes apenas um sussurro distante, agora estava profundamente enraizado em sua mente. Mas o que isso significava? Por que ele estava tendo essas visões? E, mais importante, quem era o demônio que ele tentava desesperadamente salvar?

No dia seguinte, Kael decidiu investigar. Não podia mais ignorar os rumores ou as sensações perturbadoras que o assombravam. Aerdoria era uma cidade de paz, mas talvez também guardasse as respostas que ele buscava. Kael começou a fazer perguntas discretas, tentando descobrir mais sobre Kael’thar, sobre sua lenda, e sobre qualquer conexão que ele pudesse ter com esse passado que o atormentava.

As respostas que recebeu foram fragmentadas e muitas vezes contraditórias. Alguns o viam como um tirano, outros como um herói trágico. Mas havia uma coisa que todos os relatos tinham em comum: Kael’thar havia desaparecido de forma misteriosa, e seu destino ainda era um mistério.

Uma noite, Kael decidiu sair para uma caminhada, buscando clareza para seus pensamentos. Seus passos o levaram até um pequeno bosque na periferia de Aerdoria, onde uma antiga cerejeira florescia, suas pétalas rosas caindo suavemente ao redor de um riacho que refletia a luz da lua. Ele parou, sentindo uma estranha sensação de déjà vu, como se já tivesse estado ali antes, em outra vida.

Kael fechou os olhos e se deixou levar pelas memórias que emergiam. Ele se via ao lado daquela mesma árvore, mas o cenário era diferente. O céu estava encoberto por nuvens escuras, e a água do riacho corria turva. Ao seu lado, estava o demônio, ferido, mas sorrindo de forma melancólica. Kael, ou talvez Kael’thar, sentia uma mistura de amor e desespero, sabendo que aquela escolha – arrancar seu coração – tinha sido egoísta, mas necessária.

De repente, uma voz familiar, grave e autoritária, ecoou em sua mente. Era Lyron, o general que ele apenas conhecia de relances em seus sonhos. “O que foi que você fez, Kael’thar? Você sabe o que isso pode causar.”

Kael abriu os olhos, ofegante, e encarou a lua que brilhava sobre ele. Não sabia exatamente o que havia feito no passado, mas sentia que estava começando a desvendar os mistérios que o cercavam. No entanto, o que ele faria com essas respostas, uma vez que as encontrasse? Isso era algo que ainda não estava preparado para enfrentar.

Enquanto as primeiras luzes do amanhecer começavam a surgir no horizonte, Kael sentiu uma determinação nova crescer dentro dele. Ele não poderia mais fugir dessas memórias ou do nome que agora parecia inescapável. Kael’thar, Kael, não importava qual fosse seu verdadeiro eu, ele estava decidido a descobrir a verdade – mesmo que essa verdade fosse mais dolorosa do que ele poderia imaginar.

E, assim, com o coração pesado, mas resoluto, Kael deixou o bosque, sabendo que sua busca estava apenas começando.

Entre Marés e SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora