Capítulo 12: Confronto ao Crepúsculo

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O vento frio do mar varria a costa de Aerdoria enquanto Kael caminhava em direção ao palácio abandonado. O ar salgado preenchia seus pulmões, e a maré alta batia nas pedras, ecoando como tambores distantes, antecipando uma batalha. Em seu peito, o coração batia em um ritmo acelerado, como se soubesse o que estava por vir, mesmo que sua mente ainda estivesse perdida nas sombras do passado.

Ao longe, o palácio surgia como uma silhueta escura contra o céu avermelhado pelo crepúsculo. Ruínas antigas, esquecidas pelo tempo e pela civilização, agora se tornavam o palco de um reencontro que Kael não sabia que estava à espera.

Assim que Kael se aproximou dos portões enferrujados, ele sentiu uma presença familiar. Uma energia antiga e intensa, algo que fazia seus instintos gritar. Seu olhar se fixou em uma figura à sua frente, parada entre as sombras das colunas quebradas.

Uriel.

O demônio o observava com um olhar afiado, seus olhos brilhando com uma mistura de ressentimento, desejo e tristeza. Ele empunhava sua espada com uma facilidade letal, seus movimentos lentos e calculados, como se estivesse saboreando o momento. Kael parou, sua mente girando, tentando se lembrar, tentando encontrar o nome certo para aquela presença que parecia gritar em sua alma. Mas o nome permanecia distante, fora de alcance.

"Kael'thar," a voz de Uriel cortou o silêncio como uma lâmina afiada. "Ou devo chamá-lo de Kael, agora? Não importa. No fim, você ainda é o mesmo, e eu... eu sou o mesmo também."

Kael franziu o cenho, sentindo uma pressão no peito ao ouvir o tom sombrio e provocador de Uriel. "Eu não sou Kael'thar," ele respondeu, sua voz firme, mas com uma pitada de incerteza. "Não sei o quem é você ou o que você quer de mim."

Uriel deu uma risada seca, cheia de sarcasmo, balançando a cabeça. "Não sabe o que eu quero de você? Você se esqueceu de tudo, não é? Até de mim." Ele avançou lentamente, sua espada brilhando à luz do sol poente. "Eu fui a causa da morte dele, é o que dizem, não é? Mas me diga, quem realmente fez algo por ele? Quem tentou salvá-lo enquanto  Lyron, e todos os outros só assistiam?"

Kael deu um passo para trás, sentindo o peso das palavras de Uriel. Havia algo ali, uma verdade amarga, algo que ele não conseguia entender completamente. Sua mente lutava para encontrar fragmentos de memórias que teimavam em se esconder.

"Eu fui o único que tentou salvá-lo!" Uriel gritou, sua voz cheia de fúria contida. "Eu fui o único que se sacrificou, que deu tudo por ele! E você... você tem coragem de me enfrentar agora, sem se lembrar de nada?"

Kael sentiu seu corpo inteiro se contrair. A pressão no ar se intensificava, e ele sabia que não havia mais volta. Ele puxou sua lança, que até então estava presa às suas costas, e a segurou firmemente. "Eu não me lembro de você," ele disse, sua voz mais suave, mas ainda determinada. "Mas não vou deixar você continuar me perseguindo sem respostas."

Uriel ergueu a espada, seus olhos brilhando com uma raiva contida. "Respostas? Eu não estou aqui para responder nada, Kael'thar. Estou aqui para lembrá-lo. E se a única maneira de fazer isso for através da dor, que assim seja."

Sem mais uma palavra, Uriel avançou com velocidade, sua espada cortando o ar em direção a Kael. O dragão reagiu por instinto, erguendo sua lança para bloquear o golpe. O impacto foi poderoso, faíscas voando enquanto as lâminas colidiam.

A luta começou como um furacão, rápido e implacável. Uriel atacava com uma fúria incontrolável, seus golpes rápidos e precisos, cheios de uma raiva acumulada por anos de mágoa. Kael, por outro lado, defendia-se com habilidade, mas também com cautela, como se tentasse entender o motivo por trás de cada golpe.

"Você acha que pode fugir de quem você era?" Uriel gritou entre os golpes. "Acha que essa reencarnação vai apagar o que você fez? Você me deixou, Kael'thar! Você me deixou sozinho naquela escuridão!"

Kael desviou de um golpe pesado, girando a lança para desviar a espada de Uriel e, em seguida, recuando. Seu coração estava acelerado, e a pressão no ar só aumentava. Ele ainda não se lembrava de quem Uriel era, mas a dor nas palavras do demônio era palpável. Havia algo entre eles, algo que ele precisava entender.

"Eu não sou quem você pensa que sou," Kael respondeu, sua voz falha um pouco enquanto ele bloqueava outro ataque feroz de Uriel. "Eu sou Kael, não Kael'thar!"

"Mentiras!" Uriel rugiu, forçando Kael a recuar ainda mais. "Você pode ter perdido suas memórias, mas seu coração, sua alma, ainda são os mesmos! Você não pode escapar de quem você realmente é!"

Os golpes se intensificaram, faíscas voando a cada colisão entre as lâminas. Kael, sentindo-se acuado, começou a contra-atacar. Suas investidas eram cuidadosas, mas poderosas, a lança traçando arcos rápidos no ar, tentando manter Uriel à distância.

Por um momento, os dois se afastaram, respirando pesadamente. O crepúsculo agora estava quase no fim, e a escuridão começava a engolir o céu. Uriel baixou um pouco sua espada, os olhos fixos em Kael, uma mistura de ódio e dor neles.

"Você acha que pode me derrotar?" Uriel perguntou, sua voz baixa e carregada de emoções. "Acha que pode viver sua vida como se eu não existisse, como se nós nunca tivéssemos compartilhado nada?"

Kael hesitou, seus pensamentos girando em confusão. Ele não tinha respostas para as perguntas de Uriel, e isso o enfurecia. Mas, ao mesmo tempo, havia algo mais, algo que ele não conseguia definir.

"Eu não me lembro de você," Kael disse, sua voz finalmente falhando. "Mas eu sei que isso não é o caminho. Eu não quero lutar contra você."

Uriel riu amargamente. "Não quer lutar? Você não tem escolha, Kael'thar. Porque, no fundo, você sabe que estou certo. Você pode não se lembrar, mas seu coração... seu coração ainda me pertence."

Com um grito final, Uriel avançou mais uma vez, mas, desta vez, algo dentro de Kael mudou. Em vez de recuar, ele se preparou, segurando firmemente sua lança.

"Se é isso que você quer," Kael murmurou para si mesmo, seu olhar se tornando determinado. "Eu vou enfrentar você. Vou encontrar minhas respostas, mesmo que isso signifique lutar até o fim."

E assim, os dois se lançaram um contra o outro mais uma vez, espadas se colidindo sob o céu que escurecia,brasas saindo de cada golpe, enquanto as sombras de seus passados se erguiam ao redor deles, prontos para decidir o destino que ambos tentavam alcançar.

Entre Marés e SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora