A festa de Daniel era o assunto da cidade. Desde que ele anunciou o tal evento para "conquistar o coração da comunidade", todo mundo parecia mais animado que o normal. Menos eu, claro. Não ia dar o braço a torcer. O cara queria derrubar minha bananeira, e agora vinha todo bonitão organizar festa para agradar todo mundo? Não comigo!
Jurei que não ia. Disse a Natália que ia passar a noite quieta em casa, assistindo novela com Zezinho. Era o plano perfeito, até ela aparecer na minha porta com um vestido que mal parecia roupa.
— Você vai assim? — perguntei, os olhos arregalados.
— Claro! É festa, Rafaela, não retiro de idosos. E voce vai comigo, nem adianta inventar desculpa.
Balancei a cabeça, negando veementemente, mas Natália tinha um talento especial para me convencer de tudo. E foi assim que me vi na festa da fábrica, emburrada, de braços cruzados, enquanto todo mundo parecia se divertir. A música era boa, tenho que admitir. E o ambiente estava decorado com umas luzes piscantes que davam até um clima bonito. Daniel sabia como impressionar, infelizmente.
— Olha só quem resolveu aparecer! — Ouvi a voz dele antes de vê-lo, e me virei para encontrar aquele sorriso de propaganda de pasta de dente.
— Não vim por você. — respondi na lata. — Natália me arrastou.
Ele riu, como se achasse a maior graça no meu mau-humor.
— Bom saber que tenho aliados. Aproveita a festa. Quem sabe você muda de ideia sobre a fábrica.
Rolei os olhos. Ele era impossível.
A noite foi avançando, e a música, que eu estava tentando ignorar, começou a mexer comigo. Meu pé batia no chão involuntariamente, porém, eu me recusei a admitir que estava gostando. Natália, por outro lado, já tinha sumido na multidão fazia tempo, provavelmente dançando até o chão.
— Não vai dançar? — Daniel reapareceu, segurando dois copos.
— Vou passar.
— Um drink então? — ele estendeu o copo, e eu olhei desconfiada.
— O que é isso?
— Só um coquetel. Nada perigoso. Prometo.
Eu sabia que deveria ter recusado. Era o que uma pessoa racional faria, ainda mais considerando que eu estava numa festa organizada pelo cara que estava destruindo meu pedaço favorito de terra. Mas, por algum motivo, aceitei o copo e dei um gole. Doce. Refrescante. E antes que eu percebesse, o primeiro copo estava vazio.
— Mais um? — ele já tinha outro pronto.
— Só mais esse. — avisei, entretanto, já sentia o efeito do primeiro me aquecendo.
A cada drink, a festa parecia mais divertida. A música parecia mais alta. As luzes mais brilhantes. Até Daniel parecia menos irritante... Só que aí veio o momento em que tudo ficou turvo. Lembro de dar risada de alguma piada boba que ele fez e, de repente, eu estava em cima de uma mesa, dançando.
— Rafaela, voce tá louca?! — a voz de Natália veio de algum lugar, mas eu estava ocupada demais balançando os braços no ritmo da música.
Eu deveria estar envergonhada, mas não estava. Estava leve, rindo, sentindo uma liberdade que não tinha sentido em anos. As pessoas ao redor aplaudiam, algumas tirando fotos, outras rindo. No fundo, eu sabia que no dia seguinte, todo mundo ia comentar sobre "a loucura da Rafaela na festa do empresário Daniel". E, sinceramente? Não me importava.
Foi quando senti uma mão no meu tornozelo. Olhei para baixo e lá estava Daniel, sorrindo.
— Posso me juntar? — ele perguntou, e antes que eu pudesse responder, ele subiu na mesa também.
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Debaixo Da Bananeira
HumorEm uma pequena cidade cearense, Rafaela Pereira luta com unhas e dentes para salvar uma bananeira plantada por seu pai antes de falecer, ameaçada pela construção de uma nova fábrica. Daniel Correia, o dono da fábrica, fica fascinado pela teimosia da...