Rafaela Pereira
Entrei na loja onde Natália trabalha como quem não queria nada. Fazia um calor do cão e eu só queria me refrescar no ar-condicionado enquanto fingia estar interessada nas roupas expostas nas araras. Natália, que já me conhecia de longe, veio logo se aproximando com aquele sorriso de sempre.
— E aí, mulher? Não me diga que veio gastar dinheiro, porque eu sei que você tá mais lisa que sabão! — ela disse, já rindo da minha cara.
Revirei os olhos e fiz cara de ofendida, mesmo sabendo que ela estava certa.
— Tô só dando uma olhada, ué. Não posso nem ver as novidades?
Ela riu, me puxando para perto do balcão. A loja estava bem vazia naquele horário, e Natália claramente queria bater papo. Mal sabia ela o que vinha pela frente.
— Mulher, você nem sabe... — comecei, me apoiando no balcão com ar dramático.
Natália, curiosa, já ficou com os olhos arregalados.
— O que foi dessa vez? Bananeira? Daniel? Ou foi o Zezinho aprontando de novo?
— Os três, basicamente! — suspirei, balançando a cabeça. — O Zezinho continua repetindo as fofocas da Dona Dulceneia. Eu quase tive um troço hoje cedo quando ele soltou um "Rafaela continua dormindo com o Daniel" em pleno café da manhã!
Natália soltou uma gargalhada tão alta que até quem passava na calçada podia ouvir.
— Não acredito que ele falou isso! — ela ria sem parar, batendo no balcão.
— Pois acredite, porque eu ouvi direitinho. E o pior é que ele falou na frente da Dona Josefa, que já ficou me olhando de cima a baixo como se eu fosse... Sei lá, uma daquelas personagens de novela!
Eu estava indignada, mas Natália continuava rindo como se aquilo fosse a melhor piada do mundo. Não que eu pudesse culpá-la, era mesmo engraçado de certa forma.
— Ah, Rafaela... Você atrai essas confusões como um imã, não é? — Natália disse, ainda com lágrimas de tanto rir nos olhos.
— Eu juro que não faço por querer! — reclamei. — Mas a parte mais surreal foi que o Daniel apareceu lá na minha casa logo depois.
— O quê?! — Natália parou de rir na hora. — E o que ele queria?
Antes que eu pudesse responder, a porta da sala dos fundos se abriu com força e, como num passe de mágica, a patroa de Natália apareceu. Uma mulher de aparência rígida, com o cabelo preso tão apertado que parecia uma peruca mal colocada.
— Natália, o que é isso? — a mulher perguntou, com a voz mais séria que eu já ouvi na vida. — Está de conversa fiada com clientes em horário de trabalho?
Natália congelou no lugar. A cara de desespero dela me deu vontade de rir, porém, segurei firme. Ela tentou se justificar, mas a chefe nem deu chance. Engoli em seco.
— Eu não pago você para ficar de bate-papo! Temos uma loja para cuidar, produtos para organizar, e clientes que precisam de atendimento sério, não isso! — a mulher gesticulava, apontando para mim e para as roupas desorganizadas nas araras.
— Desculpa, dona Madalena, é que... — Natália tentou falar, contudo, foi interrompida de novo.
— Desculpas não vendem roupas, Natália! Se você continuar assim, vou ter que rever seu desempenho aqui na loja.
Foi aí que eu, muito esperta, resolvi abrir a boca, achando que ia melhorar a situação.
— Me desculpe, dona Madalena, a culpa foi minha. Eu que puxei assunto com ela, foi mal mesmo. Eu só queria ver umas roupas, mas aí...
Antes que eu pudesse terminar, a patroa me olhou de cima a baixo, sem disfarçar. Parecia avaliar cada peça de roupa que eu estava usando, como se fosse descobrir a quantidade exata de tempo que passei sem gastar um centavo naquela loja.
— Ah, claro. A senhorita é amiga da Natália, não é? — ela disse, com um tom seco. — Bom, se vai ficar só conversando e atrapalhando o trabalho da minha funcionária, acho melhor que vá embora. E da próxima vez, se vier aqui, espero que seja para comprar alguma coisa.
Minha cara queimou de vergonha. Olhei para Natália, e ela estava branca como papel.
— Mas eu vou comprar algo! — falei rápido, sem nem pensar. — Eu só estava... Escolhendo!
Natália, coitada, me olhou com aquele olhar de "Pelo amor de Deus, cala a boca!". Claro que eu não obedeci.
— Escolhendo? — dona Madalena ergueu uma sobrancelha. — Então me diga, o que vai levar?
Olhei ao redor, tentando achar qualquer coisa que pudesse salvar a minha pele. Peguei a primeira coisa que vi: uma blusa amarela, horrorosa, cheia de babados.
— Essa aqui! — falei, segurando a blusa como se fosse uma joia rara.
— Essa? — Natália murmurou, quase em pânico.
— Isso mesmo, essa aí. — reforcei, tentando parecer confiante.
Dona Madalena pegou a blusa da minha mão, olhou-a de cima a baixo e deu um sorriso torto.
— Uma excelente escolha. Vai combinar... com seu estilo único. — ela virou as costas e voltou para a sala dos fundos sem dizer mais nada.
Assim que a porta se fechou, Natália me olhou com os olhos arregalados e começou a rir de novo, só que agora de puro nervoso.
— Rafaela, você não tem jeito mesmo, né? A blusa mais feia da loja, sério? — ela riu, entretanto, com um toque de desespero na voz.
— Mulher, eu só queria salvar sua pele! — respondi, rindo também.
— Aham, obrigada por isso. Agora a dona Madalena acha que você tem um gosto terrível.
— Bom, ela não tá errada. — brinquei, olhando para a blusa com desgosto. — Mas pelo menos você não vai perder o emprego por causa de mim!
Nós duas continuamos rindo, mesmo sabendo que a situação tinha sido um desastre completo. E claro, no final das contas, acabei levando a blusa horrorosa só para evitar outra bronca da patroa de Natália.
Quando saí da loja, ainda com a blusa nas mãos, pensei em como eu sempre conseguia me meter nas situações mais absurdas. Contudo, pelo menos dessa vez, o drama foi menor. E de quebra, garanti mais um motivo para Natália me zoar pelo resto da vida.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Debaixo Da Bananeira
ComédieEm uma pequena cidade cearense, Rafaela Pereira luta com unhas e dentes para salvar uma bananeira plantada por seu pai antes de falecer, ameaçada pela construção de uma nova fábrica. Daniel Correia, o dono da fábrica, fica fascinado pela teimosia da...