Capítulo 18 O Acampamento de Resistência

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A lua cheia iluminava o quintal, e a brisa morna do Ceará balançava suavemente as folhas da bananeira. Eu estava determinada a ficar ali até o fim. Enrolei-me no cobertor fino e ajeitei a cabeça na almofada que trouxe de casa, sentindo o cheiro da terra misturado com o aroma familiar das bananas quase maduras. Meu acampamento improvisado já tinha o essencial: um travesseiro, lanterninha de pilha fraca e o Zezinho, que não parava de repetir:

Bananeira não, Daniel! Bananeira não!

Respirei fundo e olhei para cima, as estrelas brilhavam no céu, e o papagaio continuava com seu sermão. Era uma espécie de resistência passiva, quase poética. Eu estava disposta a dormir ali todas as noites, se fosse preciso, até aquele teimoso do Daniel desistir de destruir a única coisa que restava do meu pai naquele pedaço de terra.

Me ajeitei de lado, tentando ignorar o incômodo do chão duro. Nessa hora, ouvi passos. O Zezinho, sempre o alarme mais eficiente do mundo, começou a tagarelar:

Lá vem o bonitão! Lá vem o bonitão!

Levantei a cabeça e vi Daniel se aproximando, com aquele andar despreocupado, mas que já denunciava a irritação. Eu sabia que ele estava cansado de toda a confusão. Cansado de mim, talvez. Só que dessa vez, eu não ia ceder. Cruzei os braços e encarei ele enquanto se aproximava, tentando não parecer tão vulnerável quanto me sentia deitada ali no chão.

— Rafaela — ele começou, a voz baixa, como se já estivesse vencido —, você realmente não vai sair daí?

Dei um meio sorriso, no entanto, não mexi um músculo.

— Só quando você desistir de cortar a bananeira.

Ele passou a mão pelos cabelos, como fazia sempre que estava prestes a perder a paciência.

— Isso é um absurdo. Olha pra você, acampando no meio do nada, debaixo de uma bananeira, por uma briga que não faz sentido.

— Faz sentido pra mim. — respondi firme. — Você não entende o que essa árvore significa. Te falei muitas e muitas vezes!

Daniel bufou e olhou para o chão, chutando um pedaço de terra, como se aquilo fosse resolver algo. Eu sentia o peso do cansaço dele, mas também o meu estava ali, pesado nos ombros, como se cada folha daquela bananeira fosse uma lembrança do meu pai que ele estava tentando arrancar.

— Você não vai desistir, vai? — ele perguntou, a voz quase um sussurro.

— Nem morta.

A tensão pairava no ar. O Zezinho, como sempre, resolveu quebrar o silêncio:

Vai cortar nada, vai cortar nada!

Daniel lançou um olhar de canto para o papagaio, porém, se abaixou até ficar na minha altura. Ele suspirou profundamente, passando a mão no rosto antes de finalmente falar:

— Tá bom, Rafaela. Eu desisto. A bananeira fica. 

Eu pisquei, demorando um segundo para processar o que ele disse. Não sabia se tinha ouvido direito ou se era um sonho causado pelo desconforto de dormir no chão.

— O quê? — perguntei, quase sem acreditar.

— Isso mesmo que você ouviu. A bananeira fica onde está. Não vou derrubá-la. 

Meus olhos se encheram de lágrimas instantaneamente, e o peso que eu carregava, desde que essa briga começou, simplesmente sumiu. Fiquei ali, em silêncio, tentando encontrar palavras para agradecer, mas minha garganta estava embargada. Ele, por outro lado, parecia exausto, como se estivesse carregando o mundo nas costas e tivesse acabado de largá-lo.

— Por quê? — consegui perguntar finalmente.

— Porque... — ele hesitou, me olhando com uma mistura de cansaço e ternura. — Eu percebi que essa briga está indo longe demais. Isso é importante pra você. E, bem... se é importante pra você, acho que posso conviver com uma bananeira no meio da fábrica.

Senti meu coração dar um salto. Aquilo não era só sobre a árvore. Era sobre ele, sobre nós. Sobre como ele havia finalmente entendido o que tudo isso significava. Me levantei de um pulo, quase tropeçando no cobertor, e fui direto para ele. Sem pensar muito, envolvi seus braços em volta de mim e o abracei com toda a força.

— Obrigada, Daniel. De verdade.

Ele ficou parado por um momento, como se não soubesse como reagir. Mas, lentamente, seus braços me apertaram de volta. E ali, naquele abraço, tudo parecia se encaixar. A brisa suave continuava balançando as folhas da bananeira, e o Zezinho, do jeito dele, fazia parte da cena.

Bananeira salva! Bananeira salva!

Eu ri, com o rosto ainda enterrado no peito de Daniel, sentindo o calor do corpo dele. Parecia irreal que ele tivesse cedido. Senti como se uma parte de mim tivesse vencido, mas também sabia que algo mais estava nascendo ali. Talvez fosse o começo de algo mais do que apenas uma trégua por uma árvore.

Quando me afastei um pouco, ele olhou fundo nos meus olhos. Não era só o cansaço. Era como se algo nele tivesse mudado também.

— Você venceu essa, Rafaela. Mas vou te dizer uma coisa. — ele disse, com um meio sorriso brincando nos lábios. — Eu nunca conheci ninguém tão teimosa.

— Isso é um elogio? — perguntei, levantando uma sobrancelha.

— Acho que sim. — ele riu, passando a mão pelo cabelo mais uma vez. — Só me promete que vai sair daqui. Eu não quero te ver acampando de novo. É perigoso.

— Vou pensar no seu caso. — brinquei, mas por dentro, estava nas nuvens.

Daniel me olhou por mais alguns segundos antes de se afastar.

— Boa noite, Rafaela.

— Boa noite, Daniel.

Enquanto ele se afastava, eu me joguei de volta no cobertor, com um sorriso que não conseguia esconder. Olhei para a bananeira e suspirei, satisfeita. Por hoje, pelo menos, a paz estava garantida.

Bananeira salva! — repetiu o Zezinho, e eu não poderia concordar mais.

O que mais poderia querer? Tudo tinha finalmente sido resolvido e eu poderia seguir em frente sem o medo que a lembrança que meu pai deixou com aquela bananeira fosse apagada.

— Rafaela, você sempre vence. Insistência é o poder! — disse para mim mesma com satisfação.

Naquela noite não iria conseguir dormir de tão feliz que estava, portanto, decidi pegar meu querido papagaio e dar uma volta pela cidade até o dia amanhecer. A companhia do Zezinho era o suficiente para mim.

Debaixo Da BananeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora