A ideia parecia genial. Se eu não podia vencer o Daniel Correia pelo lado racional, quem sabe eu conseguisse pela barriga? Cozinhar sempre foi uma das minhas poucas habilidades reconhecidas até por aqueles que viviam de cara feia comigo, e agora, eu ia usar essa habilidade com maestria.
Eu estava decidida a sabotar aquela construção infernal. A fábrica ainda nem tinha saído do chão e já causava confusão. O destino da minha bananeira estava em jogo. E os trabalhadores? Bem, eles eram apenas o obstáculo entre mim e a preservação daquele pedaço de memória do meu pai.
— Vou fazer marmitas pra aqueles homens! — declarei para Zezinho, que me olhava do poleiro com a sabedoria de um monge e a fofoca de uma comadre. Ele piscou, como se aprovasse a ideia. — Eles não vão resistir. Vou conquistar todo mundo pelo estômago!
Dei uma volta no mercado local, enchendo o carrinho com ingredientes frescos e uma variedade de temperos que fariam até o mais severo dos pedreiros se ajoelhar. Voltei pra casa com um sorriso que competia com o sol do Ceará. Preparei tudo com o maior cuidado: carne de sol, arroz soltinho, feijão bem temperado, macaxeira frita crocante e uma farofa que dava gosto só de olhar.
No dia seguinte, fui à obra com as marmitas. Cheguei cheia de confiança, equilibrando as vasilhas de plástico colorido que já prometiam conquistas. Os trabalhadores largaram os martelos e pregos no instante que sentiram o cheiro.
— Ô, dona, o que é isso aí? — um deles perguntou, a boca já cheia d'água.
— Isso aqui é pra vocês, rapazes. Uma comidinha caseira, feita com carinho. Só não comentem com o seu patrão, viu? — falei, com um sorriso conspiratório.
Eles se entreolharam, parecendo crianças ganhando presente. Um deles pegou uma marmita, abriu a tampa e inspirou profundamente, como se quisesse guardar o cheiro para a eternidade.
— Rapaz... isso aqui é de comer rezando! — disse o mais robusto deles, já enfiando uma garfada generosa na boca.
Conquistei o grupo de imediato. Ao final do dia, os risinhos de satisfação e os olhares cúmplices deixavam claro que eles estavam do meu lado. Só faltava me darem as chaves da obra de presente.
Porém, minha alegria durou pouco. No dia seguinte, quando voltei para repetir a estratégia, encontrei uma cena inesperada. Daniel estava lá, de avental, distribuindo pratos que faziam a minha humilde marmita parecer comida de hospital.
— Mas o que é isso? — perguntei, incrédula.
— Ah, Rafaela! — Daniel disse, com aquele sorriso de quem estava armando alguma. — Resolvi cuidar melhor dos meus funcionários. Nada melhor do que um camarão na moranga, não acha? Ou quem sabe uma lasanha de carne de sol com molho bechamel?
Eu não podia acreditar. O homem tava me desafiando naquilo que eu achava que era imbatível: a comida!
— Isso aqui é sabotagem! — falei, apontando pra uma travessa cheia de camarões suculentos.
— Sabotagem? Eu só tô cuidando dos meus trabalhadores, assim como você. Eles merecem o melhor, não acha?
Os trabalhadores estavam divididos. Alguns olhavam para o camarão de Daniel como se fosse uma revelação divina, mas ainda havia lealdade nos olhos de alguns que tinham provado minha carne de sol no dia anterior.
— É assim, é? — murmurei, estreitando os olhos.
Daniel apenas sorriu, vitorioso.
Voltei para casa furiosa, porém, não ia desistir. Se ele queria guerra culinária, ele ia ter. Naquela noite, eu preparei a minha arma secreta: baião de dois com queijo coalho derretido, paçoca de carne e, pra finalizar, um pudim de leite que ia desmanchar qualquer resistência.
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Debaixo Da Bananeira
HumorEm uma pequena cidade cearense, Rafaela Pereira luta com unhas e dentes para salvar uma bananeira plantada por seu pai antes de falecer, ameaçada pela construção de uma nova fábrica. Daniel Correia, o dono da fábrica, fica fascinado pela teimosia da...