Eu estava aproveitando uma tarde de calmaria, coisa rara por essas bandas, quando algo estranho chamou minha atenção. Era como se um vulto estivesse rondando minha janela. Parei o que estava fazendo e fui até a cozinha, espiando pela fresta da cortina, só para confirmar o que eu já suspeitava: tinha alguém espionando minha casa.
— Mas não é possível... — murmurei para mim mesma, sem acreditar no que via.
Pisquei várias vezes, achando que era algum delírio causado pelo calor ou pelo cansaço de ficar pensando demais na bendita bananeira e nos problemas que ela me causava. Porém, lá estava a bendita figura, parada ao lado do muro, tentando se esconder atrás do pé de hibisco.
Eu me aproximei da porta de mansinho, tentando não fazer barulho. Abri a porta lentamente, só para flagrar a pessoa no ato. E adivinha quem era? Dona Dulceneia, a maior fofoqueira de toda a cidade, com um binóculo em mãos! Ela parecia uma detetive de filme barato.
— Mas o que é isso aqui, Dulceneia?! — explodi, não conseguindo me conter ao ver a cena patética. — Tá achando que minha casa é novela? Tá espiando o quê?
Ela levou um susto, quase soltou o binóculo no chão, contudo, logo recuperou a pose, como se não estivesse fazendo nada de errado.
— Espiando? Eu? — ela colocou a mão no peito, numa tentativa ridícula de parecer inocente. — Tava só vendo se você tava bem, Rafaela. Ultimamente você anda envolvida em tanta confusão, com esse empresário Daniel, com Rodrigo da academia, e ainda tem a bananeira...
Eu interrompi antes que ela começasse a recitar um resumo detalhado de todos os meus passos dos últimos meses.
— "Preocupada" comigo? Com um binóculo? Francamente, Dulceneia, isso já é demais! Se tá tão interessada na minha vida, por que não pergunta direto, em vez de ficar agindo como uma espiã da quinta série?
Ela deu um sorrisinho cínico, cruzando os braços.
— E eu lá preciso perguntar, Rafaela? A cidade inteira já sabe de tudo. É só questão de observar um pouquinho...
— Observar? — soltei uma risada debochada. — Isso é invasão de privacidade! Eu devia era chamar a polícia!
Dulceneia deu de ombros, sem um pingo de arrependimento.
— E vai dizer o quê? Que eu tava cuidando da vida de uma vizinha?
— Cuidando? Isso aqui é bisbilhotar! — minha voz já estava ficando alta demais, o que fez uma vizinha do outro lado da rua, Dona Marieta, abrir a janela e gritar:
— O que tá acontecendo aí, Rafaela? Tá tudo bem?
Respirei fundo, tentando controlar minha raiva.
— Tá tudo certo, Marieta! — falei alto, me virando de volta para Dulceneia. — Agora, Dulceneia, o que você quer de verdade? Tá procurando alguma fofoca nova pra espalhar na cidade?
Ela deu um passo à frente, como quem tinha acabado de receber um desafio.
— Ah, Rafaela, eu não preciso procurar fofoca, as histórias vêm até mim. Inclusive, soube que andaram te vendo aos beijos com o Daniel outro dia na frente da sua casa...
— E DAÍ? — minha paciência já tinha ido embora, e eu sabia que aquela conversa não ia acabar bem. — Isso é problema meu! Se quiser saber, beijei mesmo, e beijo de novo se der na telha! Agora, se você não parar com esse papo furado e esse binóculo, vou dar um jeito de te expulsar daqui à força!
Foi aí que uma terceira voz entrou na briga. Dona Célia, a vizinha mais metida à dona da rua, apareceu na calçada, com as mãos na cintura e um olhar severo.
— Mas que confusão é essa no meio da tarde? — perguntou, olhando de mim para Dulceneia, como se estivesse prestes a dar um sermão nas duas.
— A confusão é essa mulher aqui — apontei para Dulceneia, já sem paciência. — Ela tá espionando minha casa com um binóculo, Célia!
— Espionando, é? — Célia estreitou os olhos para Dulceneia, que, por sua vez, soltou uma risada cínica.
— Espionando? Que absurdo, gente... Eu tava só passando, aí parei pra ver se tava tudo bem com Rafaela. Você sabe como ela anda cheia de problemas, né? E só trouxe o binóculo porque... Bem, tenho problema de vista! — ela sorriu, como se a desculpa fosse perfeitamente aceitável.
Dona Célia revirou os olhos.
— Sei, sei... E você acha que todo mundo aqui é bobo pra acreditar nisso, Dulceneia?
Nesse momento, outras janelas começaram a se abrir e mais vizinhos começaram a espiar o que estava acontecendo. Isso só aumentou minha irritação. Era o que faltava: a rua inteira vendo essa cena patética.
Foi aí que Marieta, que ainda estava na janela, gritou de novo:
— Eu vou chamar a polícia, hein! Esse barraco já deu o que tinha que dar!
Antes que eu pudesse concordar, ouvi o barulho de uma sirene. Claro que alguém já tinha chamado a polícia. O carro parou na frente de casa, e dois policiais desceram, com aquela calma que só quem já está acostumado com o drama dessa cidade consegue ter.
— O que tá acontecendo aqui? — perguntou um deles, claramente entediado.
Dulceneia, rápida como um raio, já se adiantou.
— Ah, seu guarda, não é nada de mais. Só uma conversa entre vizinhas...
Eu, ainda sem acreditar na cara de pau dela, completei:
— Conversa? Isso aqui é quase uma invasão de domicílio! Essa mulher tava me espionando com um binóculo!
O policial olhou de mim para Dulceneia, depois para o binóculo na mão dela, e suspirou.
— Dona Dulceneia, de novo com essas coisas?
Ele parecia conhecê-la, e não era surpresa para ninguém. Dulceneia já tinha sido flagrada em outras situações estranhas antes. A cidade era pequena demais pra ter segredos com alguém como ela por perto.
— Vou pedir para a senhora ir pra casa e deixar a vizinhança em paz, tá certo? — disse o policial, num tom que não admitia resposta.
Dulceneia tentou protestar, porém, o olhar do policial era firme demais até para ela. Resmungando, ela deu meia-volta e começou a se afastar, não sem antes me lançar um olhar cheio de promessas de fofocas futuras.
Quando a confusão finalmente terminou, eu só consegui suspirar e me encostar no batente da porta, exausta.
— Eu não mereço isso... — murmurei pra mim mesma.
Dona Célia, que ainda estava ali, deu um tapinha no meu ombro.
— É, Rafaela, com senhoras como a Dulceneia, fica difícil ter paz.
Por que aquela velha não olhava para o próprio umbigo? Ela era um desfavor para a sociedade!
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Debaixo Da Bananeira
HumorEm uma pequena cidade cearense, Rafaela Pereira luta com unhas e dentes para salvar uma bananeira plantada por seu pai antes de falecer, ameaçada pela construção de uma nova fábrica. Daniel Correia, o dono da fábrica, fica fascinado pela teimosia da...