— Sergey, por favor — solucei, as lágrimas escorriam quase tão rápido quanto as gotas do soro na borracha transparente. — Por favor, me atende — implorei para o vazio da linha telefônica.
O celular exibia duzentas e sessenta e cinco mensagens enviadas para ele, esse era o tamanho do meu desespero.
A pele do meu rosto estava quente e pegajosa, podia sentir o gosto salgado das lágrimas nos lábios. A mão tremia ao ver o lembrete da bateria quase no fim e a superfície fria e escorregadia do telefone soava como um lembrete da indiferença, do abandono, do desamparo.Por que ele não me respondia? Merda. Era desumano pensar que Sergey ouvia todas as ligações e me ignorava, não dava atenção. Ele estava feliz? Deveria ser reconfortante mentir para mim e deixar para trás tudo destruído. Eu queria gritar, socar o rosto dele e passar o sangue do machucado naqueles olhos verdes. Eu o odiava. O que ele fez foi cruel e irresponsável.
— Me ajuda. Por favor — supliquei, meu coração se despedaçava a cada humilhação. — Eu já perdi o nosso bebê como os seus pais queriam, só não me deixe sozinha. — O silêncio seguiu ensurdecedor. — Por favor.
Não importava o que eu fizesse, o telefone permanecia mudo. Aos poucos, o cheiro de álcool irritava meu nariz e o barulho constante dos monitores me agitou. Só queria que alguém me tirasse dali, de preferência morta.
Minhas orelhas zumbiam no vazio do quarto, os ouvidos amplificaram as batidas irregulares do coração, sem parar. Era um ardor contra o peito e ele dificultava a respiração. Além do álcool, o ar permanecia carregado de desinfetante, o odor clínico misturava-se ao cheiro metálico do sangue na camisola, que insistia em me lembrar da gravidade da situação. Da morte. Do meu filho.
O mundo conspirava para me lembrar de tudo que perdi. Cheguei ao fundo do poço e as paredes dele era uma clínica clandestina de aborto bem no centro da cidade.
O soro continuava gotejar ao lado, mais sangue escorria pernas abaixo, traçavam o caminho para o chão frio. A camisola da clínica ficava cada vez mais encharcada, de suor e desespero e o medo de não sobreviver me consumia sem parar.
Minha pele estava fria e úmida, o tecido fino grudou a mim como uma segunda pele. Também havia uma fraqueza nas pernas, quase não podia me sustentar. O chão parecia um abismo de vidro, sugava meu calor e estabilidade. Não existia mais uma pessoa, somente um ser coagido a fazer algo contra a vontade. Eu também morri ali.
Talvez fosse melhor assim, não ter que enfrentar mais um dia naquele pesadelo. O meu maior erro foi ter confiado nele, nas palavras que diziam, não importa o que aconteça, eu sempre farei justiça por você. Eram belas palavras vazias. Palavras não me salvariam mais, nem ao meu filho.
— Não chore, minha querida, foi melhor assim. — A voz da mulher que jamais quis ser a minha sogra era baixa, irritante, sem calor, como uma brisa fria em um dia nublado. Era um consolo oco, tão gelado quanto a mão que repousava sobre a minha.
Melhor para quem? Certamente não para mim. Será que ela realmente acreditava nisso ou era apenas uma tentativa vazia para eu calar a boca? Como pode alguém ser tão cruel e ainda pensar que está fazendo o certo?
Ah, eu era só uma jovem e eu iria agradecê-la por aquilo no futuro. Não existia ironia pior.
Apertei o telefone para evitar desabar na frente da mãe dele e foi inútil. Ela me levou até ali, sem que a minha mãe soubesse e cuidou para que nenhum descendente da família dos Pavlova fosse um bastardo. Foi a pior noite da minha vida. Acabara de completar dezessete anos e o presente foi engolir um comprimido abortivo.
Senti o cheiro do perfume caro dela permear no ar quando me abraçou e o enjôo não era sinal da breve gestação e sim da podridão do coração dela.
— Ele não vai te atender, meu amor. — Apertou-me mais, fingindo amor, fingindo sororidade. — Sergey já deve estar do outro lado do mundo, tendo o melhor dia da vida dele. Seja esperta e não pense mais nisso. Há males que vem para o bem.
Ela estava certa. Para ele, era apenas o começo; para mim, era o início do fim.
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Red Snowfall: Edição em Português
RomanceYelena vive uma vida comum e sem grandes emoções desde que Sergey, seu antigo amor, partiu há cinco anos. Acostumada com a rotina monótona, ela se resignou à ausência de paixão que marcou sua juventude. Tudo muda quando Sergey reaparece inesperadame...