CAPÍTULO 2

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Eu trabalhava na casa dos Pavlova desde criança auxiliando a minha mãe, então eu sabia de como os patrões dela gostavam de tudo. Gostavam de ordem, de silêncio, de respeito. E, claro, gostavam de nós, onde não podiam ver. Minha mãe sempre me dizia para ficar quieta, fazer meu trabalho sem ser notada. Era assim que se sobrevivia ali: invisível, quase parte dos móveis. Ao limpar a prataria e esfregá-la com muito cuidado, imaginei o quão bom seria ser dona daquela Mansão.

Eu imaginava como seria viver naqueles quartos luxuosos. Não como uma empregada, mas como a senhora da casa, como um deles, todo pobre pensa assim de um lugar que não se pode ter.

Me via vestida de seda e rodeada de perfumes caros. Meus pensamentos se perdiam nas fantasias quando estava sozinha, mas eram sempre interrompidos pela realidade dura das minhas mãos calejadas, do frio que entrava pelas rachaduras das janelas do meu quarto minúsculo, lá nos fundos, longe das lareiras acesas.

Odiava o que a pobreza fazia comigo. Me mantinha acorrentada, dependente das migalhas que caíam das mesas que eu arrumava com tanto cuidado. Por que eles podiam ter tudo, enquanto eu mal tinha o suficiente para sobreviver? A minha herança era me tornar empregada da próxima geração dos Pavlova. Que triste.

Mas eu não queria ser essa garota para sempre. Havia algo dentro de mim que queimava, uma raiva silenciosa que eu escondia atrás de sorrisos forçados e "sim, senhora". Sabia que se deixasse transparecer, minha mãe poderia perder o emprego. Mas essa raiva, essa frustração por viver na sombra dos outros, me consumia. À noite, enquanto deitava na cama estreita, no quarto sem aquecimento, eu me prometia que encontraria uma maneira de sair dali.

Isso tudo devemos ao meu pai. Quando ele morreu, minha mãe descobriu dívidas de mais de seis dígitos em jogos clandestinos e, só estamos vivas porque o pai de Sergey nos ajudou, pagando a pior das dívidas deixadas. Em troca, nós trabalhávamos para eles. Bem, a minha mãe trabalhava integralmente e ainda recebia um salário, e eu ajudava como podia. Ajudava como podia. Essas palavras sempre me pareceram amargas, como se fossem uma desculpa. Mas o que mais eu poderia fazer? Perdemos tudo. Até mesmo a minha poupança para a faculdade foi tomada pelo banco para cobrir as dívidas.

Por causa dessas dívidas, o nome da minha mãe ficou completamente sujo, manchado como a lama nas ruas depois da chuva. Tudo o que tínhamos foi arrancado, casa, móveis, roupas que não fossem uniformes. Qualquer chance de sobreviver fora da Mansão dos Pavlova evaporou com a falta de crédito e de dignidade que nos restavam. Eu e minha mãe nos tornamos sombras. Duas mulheres sem um sobrenome confiável, sem o respeito que um nome trazia, como se tivéssemos sido apagadas do mundo. Ninguém seria louco o bastante para confiar ao menos um aluguel de uma casa no nosso nome.

Esfreguei as facas com mais força. Pensando em como seria diferente se meu pai tivesse feito outras escolhas. Se ele tivesse nos deixado algo além de dívidas e desgraça. Tento lembrar do rosto dele, mas tudo o que surge é o cheiro do álcool, o som das cartas deslizando pela mesa, e a risada áspera de seus "amigos" e de quando batia na minha mãe. E só sobrou trabalho, estávamos presas, aquela casa, a vida que não era nossa, pagando uma dívida que nunca foi nossa.

Minha mãe tentava não falar sobre isso, mas eu via nos olhos dela o mesmo desespero que eu sentia. Ela se apegou ao trabalho, ao salário que nos mantinha vivas, mas sabia que, no fundo, ela também carregava a vergonha. Aquela sensação de impotência que nos consumia dia após dia. Como se fôssemos nada, menos que nada. E o pior de tudo é que não podíamos reclamar, não poderíamos nos rebelar. Éramos gratas por ainda termos um teto, pelo pai de Sergey e sua família terem nos dado uma saída, mesmo que essa saída fosse uma prisão dourada.

Eu era grata pelo trabalho de cada dia, por menor que fosse o meu salário na cafeteria.

Apesar de toda a beleza da nova reforma da sala de jantar, eu me encontrava em um estado de desconforto persistente. Servi-los era uma tarefa comum, uma rotina que eu conhecia de cor, mas nunca deixava de me fazer sentir deslocada, como se eu fosse uma peça que não se encaixava naquele mundo. Tudo ali brilhava com uma perfeição fria, uma beleza que esmagava. E eu... eu era só o vulto que passava, quase sem deixar rastro.

Red Snowfall: Edição em PortuguêsOnde histórias criam vida. Descubra agora