CAPÍTULO 9

12 3 6
                                    

O mundo lá fora parecia uma miragem distante. Por mais que a minha mente implorasse por respostas, o meu corpo já havia se rendido a uma decisão silenciosa: eu estava pronta para o que quer que Sergey tivesse em mente. Aceitar me causou uma descarga de adrenalina que eu amava, não poderia negar.

Não sabia exatamente como ou quando esse estado de aceitação se formara, mas ele estava ali, me cercando como uma armadura frágil. Apertei as mãos com força nas laterais do banco, respirando fundo, enquanto a voz de Areials preenchia o carro com uma suavidade quase hipnótica. Deixei-me ser levada pela música, tentando me convencer de que, naquele momento, eu estava vivendo, não apenas existindo.

Uma brisa fria da noite, filtrada pela pequena fresta da janela, trouxe consigo o cheiro da neve, fresco e limpo. Por um segundo, me senti como na minha adolescência, quando a vida parecia infinita e cheia de possibilidades. Um sorriso involuntário quase se formou, mas desvaneceu tão rápido quanto surgiu, substituído pela realidade do presente. O brilho das luzes de Natal flutuava lá fora, as ruas cheias de movimento, mas dentro do carro, havia um silêncio estranho, quase sufocante.

Sergey dirigia daquele jeito bonito. Uma mão no volante, concentrado e porra, ele tava lindo. Sua concentração nas curvas e semáforos era evidente. Eu observava de soslaio, perdida nas luzes da cidade, quando senti o calor de sua mão pousar na minha coxa. Foi como se o ar no carro tivesse sido sugado de uma vez. Meu corpo congelou, meus pulmões recusaram-se a funcionar por um momento angustiante. O toque era firme, deliberado, seus dedos tatuados traçando um caminho lento e sutil, como se ele soubesse exatamente o que fazer para me tirar do eixo.

Meu coração martelava, e por mais que eu quisesse responder, retribuir, havia algo que me impedia. Ele parecia tão à vontade, tão certo de si, enquanto eu estava lutando contra uma maré de sensações conflitantes. Era como se ele tivesse o poder de me tocar sem abrir nenhuma porta de sua própria alma, enquanto as minhas estavam escancaradas, vulneráveis, esperando por um gesto verdadeiro que nunca vinha. Seus muros, eu sabia, eram cobertos de ervas venenosas — aproximar-se demais seria arriscar demais.

Fiz o possível para manter uma fachada neutra, fingindo que aquele toque não tivesse o poder de virar meu mundo de cabeça para baixo. Voltei a olhar para a janela, tentando me perder na grandiosidade da cidade que se desenrolava diante de mim. Os edifícios gigantescos, com suas fachadas iluminadas, refletiam nas ruas cobertas de neve, criando uma beleza serena, quase irreal.

Lá fora, as pessoas andavam em grupos, suas conversas cheias de risadas e leveza, algo que parecia tão distante do silêncio carregado entre nós. Não havia espaço para palavras entre mim e Sergey. Mas, no fundo, eu não queria arruinar aquele momento, por mais frágil e temporário que ele fosse.

Entramos na rodovia e, assim que o asfalto se estendeu à nossa frente, o som grave de "Made of Stone" ecoou em todas as caixas de som, preenchendo o silêncio com uma batida poderosa. Eu podia sentir o carro vibrar ao ritmo da música, quase como se a própria máquina estivesse viva. De onde estava, ouvi Sergey pressionar o acelerador, e naquele momento, algo dentro de mim despertou. Quando vi o ponteiro do velocímetro ultrapassar 120 km/h, um frio familiar subiu do meu estômago, uma mistura de medo e adrenalina.

A vida parecia um borrão. Cada momento, cada lembrança, cada dúvida ficou para trás, engolida pela velocidade. O mundo ao redor se desfazia em sombras e luzes enquanto o carro cortava o asfalto como uma lâmina. Eu não disse nada — não havia necessidade. Absorvia a sensação pura e crua de estar em movimento, de deixar tudo para trás.

Os carros iam ficando minúsculos no retrovisor, como se estivéssemos deixando não apenas outros veículos, mas também todas as amarras do passado. Quando olhei para Sergey, o sorriso dele me pegou de surpresa. Era um sorriso que eu não via há anos, o mesmo de antes, quando tudo entre nós ainda parecia simples. Ele dominava o volante com uma maestria natural, como se o carro fosse uma extensão de seu próprio corpo. Havia algo nele naquele instante, algo que eu não conseguia decifrar, mas que me fazia querer acreditar que, ao menos naquele momento, estávamos exatamente onde deveríamos estar.

Red Snowfall: Edição em PortuguêsOnde histórias criam vida. Descubra agora