Capítulo 22

4 0 0
                                    

   Logo após o que aconteceu no quarto de Lucas, o Lorenzo apenas desceu  tomar café e nesse momento aproveitou para inventar uma mentira extremamente deslavada para conseguir matar aula pelo menos nesse dia em questão. Por mais que a mentira a dor de cabeça fosse algo muito ultrapassado para ainda ser usado como uma desculpa para faltar, o jovem em si implorou tanto para frequentar as aulas presencialmente que seus pais não tinham motivos para desconfiar que ele estava mentindo para ficar em casa.

   Como de costume, Henrique e Caroline saíram de casa e foram para a empresa da família para gerenciar as coisas e um monte de outras coisas sem graça de empresários. Esse foi o momento em que Lorenzo conseguiu pegar um pouco do café que sobrou e levar até o quarto de seu irmão, visto que Lucas não tinha comido nada desde que saiu até o instante em que Lorenzo levou a comida.

   Lorenzo não queria chamar a atenção das empregas da casa, então pegou apenas algumas frutas e uns dois sanduiche dizendo que comeria no quarto durante os estudos que faria. Muitos dos empregados acreditaram no patrão, enquanto Anne cozinha ele demais para saber que isso seria verdade.

   O gêmeo de cabelos negros subiu as escadas da mansão e foi até o quarto de seu irmão, entrando e logo em seguida trancando a porta. Lucas estava sentado em sua cama com a postura torta e com um olhar assustado que não aparentava ter mudado em nada. Ele estava cansado e com tanto medo que deixava Lorenzo confuso sobre o que deveria fazer.

   O consciente do mais velho dizia que ele deveria pedir ajuda pelo menos á Anne que saberia o que fazer em um momento como esse, mas o seu lado emocional de irmão protetor tinha medo que Anne contasse algo para seus pais sobre isso e eles fizessem mais mal ainda para o jovem que encontrava-se no estado mais deplorável que Lorenzo já tinha visto em toda a sua vida, e que jamais imaginaria ver o seu irmão.

   — Lucas, eu trouxe um pouco do café da manhã. Por favor, coma pelo menos uma fruta, irmãozinho. — disse se aproximando e estendendo a bandeja com o que conseguiu pegar.

   Lorenzo deixou a bandeja de prata sobre a cama ao lado de seu irmão e ajoelhou-se perante o mesmo, colocando uma de suas mãos sobre o rosto dele tentando fazer com que seus olhos se encontrassem.

   — Lucas, você é a pessoa mais importante do mundo para mim. Eu nunca vou me perdoar se algo de ruim acontecer, então por favor, só coma algo e me conte o que aconteceu. — Os olhos verdes e reluzentes do gêmeo mais velho se encheram de lágrimas que começaram a escorrer sem parar pela pele clara de seus rosto e pingavam no carpete no chão — Eu imploro, eu juro que não conto nada para a mamãe ou para o papai. Eu te amo e só quero o seu bem... Irmão...

   — Eu tenho que morrer. Eu estar vivo só piora toda a situação. — Lucas evitava a troca de olhares e suas mãos deram início a uma tremedeira cujo seu irmão só tinha visto acontecer uma vez há anos antes desse momento — Se eu tivesse morrido no lugar do Lance, isso nunca estaria acontecendo.

   Lorenzo se levantou e o abraçou rapidamente.

   — Nunca mais volte a falar isso. Nada do que aconteceu é culpa sua e o que aconteceu com o Lance está no passado. Você sabe que ele nos amava e gostaria que seguíssemos em frente. — Lorenzo compartilhava da mesma dor que seu irmão e compreendia perfeitamente melhor do que qualquer um que pudesse existir nessa vida.

  Ninguém nunca conseguiria entender a dor que eles sentem, mas Lorenzo conseguia entender que se manter preso a essa dor não levaria a lugar nenhum, por isso agia como se nada tivesse acontecido, mesmo que isso ainda o atormentasse todas as noites.

   Todos da família Stuart-Norton compartilhavam da dor e do sofrimento que se iniciou após aquele terrível dia da morte de Lance, mas nenhum deles jamais conseguiria saber como era lidar com a verdadeira culpa do que aconteceu. Afinal, Lorenzo, Caroline e Henrique só se culpavam por não estar no momento em que aconteceu, enquanto Lucas carregava a insuportável culpa de ter causado a morte do garoto. E essa mesma culpa era a que vinha até ele todas as noites para sufoca-lo até quase desmaiar ou acordar chorando no meio da noite sozinho em seu quarto e precisar se dopar de remédios para enfim voltar a dormir sem sentir como se alguém apertasse seu pescoço.

   A pior parte sem dúvidas é saber que Lorenzo sempre escutou o seu irmão acordar durante a madrugada chorando ou então quando acordava assustado com os gritos que Lucas dava enquanto dormia e tinha a infelicidade de ser mandado para aquele fatídico dia noite após noite.

   — A culpa não é sua e nunca foi. — Lorenzo tentava acalmar seu irmão colocando a cabeça dele contra seu peito e passando a mão em seus fios castanhos de cabelo, mas ajudar alguém quando também precisa lidar com seus demônios interiores era algo um pouco complicado. — Aquilo foi apenas um acidente terrível, mas pense pelo lado bom, o Lance está em um lugar muito melhor e não irá precisar se preocupar com que a nossa família se tornou. Como você acha que ele lidaria com o seus problemas, as discussões do papai e da mamãe e a pressão que nossa família sofre para ser perfeita?

   Lucas olhou para o retrato que jogou no chão.

   — Se eu não tivesse corrido para pegar aquela maldita bola, Lance não teria precisado se jogar na frente do carro para me salvar. — o trauma em questão foi tão forte que sonhando todas as noites seria impossível não se recordar com a mais pura clareza de todos os detalhes. — Eu corri para pegar a bola, um carro veio em alta velocidade e o Lance me empurrou de volta para a calçada... O sangue dele em todo lugar...

   Lorenzo também se lembrava de tudo com detalhes, inclusive, ele sentiu um grande arrepio percorrer por seu corpo ao lembrar do grito que Lucas deu.

   — Eu sei... Eu ainda me lembro de ver os olhos dele se fechando e as sirenes da ambulância levando seu corpo. O papai gritou com você empurrando a culpa para o seu lado, então você correu para o banheiro do hospital e começou a soluçar de tanto chorar. Depois a mamãe me mandou ir atrás de você para te acalmar. — Empurrou a bandeja e se sentou ao lado de sue irmão — Olha, eu sinto o mesmo vazio que você desde que aquele dia aconteceu. É como se uma parte de nós dois estivesse faltando.

   — Deve ser porque está realmente faltando.

   — Sim. Mas nós ainda somos dois. Por mais que o Lance não esteja mais aqui conosco e não sejamos mais o trio de ouro, ainda somos a dupla mais invejada dos últimos anos. Quem é a rainha Elizabeth perto da gente? Somos mais famosos que a própria monarquia, o que mais precisamos além de um ao outro e tudo isso?

   Lucas deu um sorriso.

   — Você deve estar certo. Nós ainda somos uma dupla.

   — Exatamente, maninho. — Lorenzo se levantou — Eu vou tomar banho mas depois eu volto para ver como você está.

   — Tudo bem. Vou tentar arrumar minha bagunça.

   Lorenzo saiu do quarto e fechou a porta atrás de si. Ele verificou se não tinha ninguém por perto e então atravessou o corredor indo em direção ao seu quarto sem ser percebido. Como ele nunca ia ao quarto de sue irmão pelo simples motivo de Lucas detestar que qualquer um invadisse seu espaço, caso fosse visto, Lorenzo teria que inventar uma desculpa, o que ele realmente era muito ruim em fazer.

   No instante em que entrou no quarto e fechou a porta, seu amuleto começou a brilhar e então Aqua surgiu, aparentemente estando bem triste visto que seus lindos olhos azuis transbordavam de lágrimas e que seu rosto tinha uma expressão meio perdida como se não soubesse o que dizer. Como sempre fora mencionado pelos próprios semideuses a seus jovens portadores, os seres místicos que vivem dentro dos amuletos não tem a capacidade de sentir um demonstrar sentimentos independente de qual fosse a situação, entretanto, o que Aqua escutou enquanto estivera dentro da joia tinha sido demais até para ele.

   Alguns dias atrás, Aqua, sendo o mesmo garoto curioso de sempre, questionou para seu portador quem seria aquele jovem menino de cabelos dourados no retrato ao lado de sua cama que ele constantemente ficava encarando por horas e se segurava para não desabar em sofrimentos, e a resposta que recebeu foi seca e grosseira. Agora ele pudera entender o porque de Lorenzo não querer falar sobre a foto, isso devia ser tão doloroso que as vezes poderia ser melhor simplesmente não mencionar.

   Da mesma forma que seu irmão Apolo meio que tivera se contaminado ao se fundir com Anthony, Aqua, ainda que fosse um dos mais corretos semideuses e que a todo momento se mantinha responsável e inabalável, após se fundir tanto com mortais e presenciar coisas cruéis não conseguia mais ter o mesmo sangue frio de antes de unicamente olhar para toda aquela dor e sofrimento ao seu redor e fingir que nada de fato ocorria.

   — Lorenzo, eu... — sua voz estava trêmula. Aqua nunca foi o melhor dos semideuses a conseguir dar conselhos, isso sem dúvida era algo mais exclusivo de Themis, que mesmo permanecendo com sua pose de durona, ainda continuava sendo uma verdadeira mãe para os outros — Eu sinto muito por tudo isso.

   Lorenzo fungou usou do dorso de sua mão para tentar enxugar as lágrimas de seu rosto.

   — Não sinta. Vai por mim, isso não irá concertar nada nessa porra. — o jeito em que Lorenzo falou até era compreensível em meio ao caos que sua vida estava rapidamente se tornando. Desde que perdeu o seu irmão quando pequenos, os dois que restaram não conseguiam deixar de sentir uma vazio os consumir, isso sendo resultado de terem perdido parte de quem eles eram, mas com o tempo, Lorenzo a todo instante fazia de tudo para seguir sua vida e rezava para que as coisas pudessem melhor de alguma forma, só que suas rezas só se concretizavam totalmente ao contrário do que ele pedia. — Eu sou rico, e é como todos dizem. O dinheiro sempre compra tudo o que desejamos, então por que caralhos teriam pena de nós? Nossas vidas são perfeitas. Somos os Stuart-Norton, a família mais bem sucedida da América do Norte, não tem nada nesse mundo que não tenhamos conquistado.

   Aqua permaneceu-se em silêncio durante a fala do mortal de olhos verdes. Ele não sabia o que poderia ou não falar, isso o deixava com um tremendo medo de acabar falando o que não deveria e isso resultar em um estado muito pior dessa situação.

   O semideus de cabelos azuis até cogitou a opção de se fundir ao seu portador para ajuda-lo de alguma forma, exatamente da mesma forma em que Apollo fizera com Anthony naquele dia, só que um semideus não tinha poder o bastante para forçar uma fusão, ou muito menos alterar qualquer coisa dentro de seu humano se houvesse restrições.

   — Mas o que você acha que aconteceu com ele? — o imortal deu alguns passos adiante e parou alguns centímetros de distância — Tipo, você o conhece a bastante para saber que ninguém teria como tocar nele, a não ser que fosse alguém com influência o bastante, ou alguém que ele amasse muito ao ponto de permitir tal atrocidade.

   Aqua estava certo, todavia, Lorenzo não fazia ideia de quem poderia ter sido essa pessoa. Lucas apenas dissera que ia ver um cara, porém ele nunca mencionou o nome.

   Por mais que Lorenzo se esforçasse para pensar, ninguém que ele conhecia poderia fazer coisas desse tipo.

   — O único jeito será tentar convencer ele a me contar que poderia ter sido, e eu acho que isso é uma missão impossível.

GUARDIÕES: Chamas da justiçaOnde histórias criam vida. Descubra agora