capítulo 3

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Ao despertar, um silêncio incomum invadia a casa. Não haviam gritos, nem os passos pesados que sempre prenunciavam o terror que viria a seguir.

Algo estava errado.

Mas pelo incrível que possa parecer eu não sentia medo, apenas uma estranha calmaria, como o oceano antes da tempestade.

Descendo lentamente as escadas, meus pés descalços ainda faziam ruídos no assoalho de madeira.
O ar estava pesado, impregnado com um cheiro metálico que eu reconheço, mas não reagi de imediato.

Ao entrar na sala de estar, a visão que me aguardava era, para muitos, um pesadelo; para mim, era algo quase poético.

Meus pais estavam estirados no chão, seus corpos imóveis em uma dança macabra de morte. O sangue pintava o chão de madeira com tons de carmim, um contraste bizarro contra o sombrio do ambiente da velha casa. Os olhos de meu pai, outrora cheios de raiva,desprezo e malícia, agora eram apenas vazios. Minha mãe, sempre controladora e cruel, estava com as mãos abertas, como se tivesse tentado se proteger de algo... ou de alguém.

Fico parada por alguns instantes, observando a cena com uma serenidade que não condizia com a tragédia diante de mim. Senti algo, mas não era tristeza. Havia uma leveza inesperada em meu peito, como se correntes invisíveis tivessem se quebrado com aquela visão. O peso de anos de abusos e traumas parecia estar, de alguma forma, escorrendo junto com o sangue no chão.

Me se aproximo lentamente, quase como se estivesse em um transe. Ao olhar mais de perto os corpos, um pensamento escuro cruzou minha mente. Eu deveria sentir dor, tristeza, desespero... mas tudo o que eu sentia era libertação.

pego uma das rosas brancas que eu havia ganhado de um desconhecido, como se ele soubesse o que iria acontecer, como se ele fosse o culpado disso feito.

Mas o que seria o melhor presente de aniversário que isso.

Pego a rosa branca, e a passo no sangue de meus pais a transformando em uma rosa vermelha carmesim, coloco-a entre os corpos.

A ironia da flor morta sobre os cadáveres fez com que eu sorrisse levemente. Era como se, pela primeira vez em minha vida, eu estivesse no controle.

Ao sair da sala,  não olho para trás. De certa forma, eu sentia que minha  história começava naquele exato momento. Não era o fim que importava, mas o renascimento. E enquanto o crepúsculo se desfazia em escuridão, eu me preparava para abraçar uma nova vida, onde a dor dos outros não seria mais a sua.

O mundo estava prestes a conhecer uma nova Scarlett — uma versão de mim mesma que, assim como a rosa que deixara para trás, floresceria em meio à escuridão.

Com o sangue ainda fresco na minha memória e a casa deixada para trás, eu parti para uma nova vida. Tudo o que restava daquela casa era o dinheiro que meus pais haviam acumulado ao longo dos anos — dinheiro que agora eu considerava meu, uma reparação pelos anos de abuso. A liberdade recém-conquistada tinha um preço, e eu não me importava de usá-lo para me distanciar o máximo possível daquele passado sombrio.

Eu escolhi uma cidade distante, onde ninguém me conhecia e onde os fantasmas de minha infância não poderiam me encontrar. Meu destino é uma renomada faculdade de Direito, onde eu havia conseguido uma bolsa de estudos.

Lá eu pretendo reconstruir minha vida.
Direito sempre me pareceu fascinante, especialmente a ideia de poder manipular o sistema e controlar a própria narrativa.

Afinal, quem melhor do que eu para entender o que era justiça na forma mais fria e calculada?

Começo a preparar minhas malas, pego apenas o necessário.

Eu preciso sair dessa casa quando antes, os corpos de meus pais já estavam frios na sala de estar, estavam começando a entrar em um estado de decomposição por causa do ambiente úmido da casa a qualquer momento a polícia poderia vir.

Pego algumas peças de roupa e o tabuleiro de xadrez com as malas prontas pego um carro e começa a viagem para nova cidade.

A viagem para a nova cidade foi como um renascimento. Ao cruzar a fronteira, senti o peso do passado se afastar, ainda que, no fundo, eu soubesse que ele nunca me deixaria completamente. Minhas noites continuavam permeadas por pesadelos. Às vezes, eu via os olhos mortos de meus pais, acusadores e fixos em mim. Outras vezes, a cena de sua morte parecia quase teatral, como se estivesse em um palco, observada por uma plateia invisível. Ainda assim, eu aprendi a conviver com os ecos da violência. Eles não eram mais uma fonte de medo, mas lembretes de minha resiliência, mesmo que ainda doesse eles se mostravam o quanto eu era forte.

A nova cidade era uma metrópole vibrante, cheia de vida e caos, uma antítese perfeita ao silêncio mórbido da mansão.

Ravencrestt.

Esse é o nome da minha nova cidade.

Eu aluguei um apartamento no último andar de um prédio, com vista para o centro urbano.

Do alto, eu podia ver as pessoas correndo de um lado para o outro, ocupadas com suas próprias tragédias e sonhos. Ali, eu era apenas mais uma, invisível, intocável, posso controlar tudo de cima pensar nas jogadas, ver tudo e fazer tudo.

Continua...

Continua

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