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1808

 

Imaculada

 

Um dia, teria que enfrentá-lo, por mais que rezasse para que isso não acontecesse. Xavier voltou das Minas Gerais ainda mais rico e autoritário. Passei o dia inteiro andando até a Rua das Agulhas, causando estranheza nas meretrizes. Elas compraram meus quitutes, assim como seus clientes, mas muitas perguntaram por que eu estava ali.

— Imaculada, você aqui na Rua das Agulhas? Não é possível que a freguesia do mercado esteja tão ruim. Sabe bem que aqui não é lugar para você.

— Rosa, sei que se preocupa comigo, mas preciso vender para todos. Eu que quis ficar aqui, não posso? Madame Sofi veio comprar e não reclamou.

Madame Sofi é a cafetina que comanda a Rua das Agulhas e as prostitutas. É uma mulher mais velha, mas famosa pelo bordel que recebe todos os ricos da cidade.

— Ele voltou, não é? Por isso você veio para cá, porque sabe que Xavier é proibido de entrar aqui.

Xavier é violento e sempre causou muitos problemas. Ele foi proibido de andar nas ruas pelos homens que trabalham para Madame Sofi. Conheci Rosa quando ela era vizinha da minha madrinha. Ela fugiu de casa, e nunca entendi bem o que aconteceu, mas desconfio que seu pai abusava dela após a morte da mãe. Rosa não gosta de falar disso, e eu a entendo. Também detesto falar sobre o que aconteceu comigo. Ela sabe o que Xavier fez; em um momento de desespero, contei-lhe o que houve anos atrás. Talvez o fato de ela também ter passado por algo terrível a fez entender o que aconteceu comigo.

— Sim. Posso dormir aqui hoje? No seu quarto no bordel. Faço doces de graça para Madame Sofi por um ano.

— Imaculada, se você ficar aqui hoje, terá que se deitar com alguém. Sabe bem como funciona. Essa vida não é para você, minha amiga. Aqui, infelizmente, não é um lugar seguro. Por que não tenta com sua mãe?

Quitéria nunca me aceitaria. Ela tem ódio de mim, mas posso tentar conversar com o marido dela. Ele é um bom homem. Talvez possa pedir ajuda ao meu irmão? Despedi-me de Rosa e segui em direção ao Preto, uma parte da cidade onde os pretos livres vivem.

Respirei fundo, pensando em implorar, se fosse necessário, de joelhos para ficar. Sei que minha madrinha não vai se preocupar se souber que estou com minha família. Vejo meu irmão e sorrio, mas percebo que não recebo o mesmo sorriso de volta. Sei que ele também não gosta de mim, muito por influência de Quitéria.

— O que faz aqui? Sabe bem que minha mãe não quer você aqui.

— Vim ver as crianças. Sobrou muito doce e vim trazer para elas. Como estão meus sobrinhos? E nossos irmãos, está tudo bem?

Ele é o filho amado de minha mãe, fruto do grande amor que ela sente por seu marido. Diferente de mim, que sou fruto de uma violência, renegada por todos ao meu redor.

— Me dê os doces que eu entrego. Se minha mãe ver você aqui, não vai gostar.

— Eu sei, só queria ver as crianças. Estou com saudades deles. Só vejo Luizinho quando ele vai ao mercado, mas são poucas vezes. Você está precisando de alguma coisa? Dinheiro?

Meu irmão negou, pegando os doces. Eu queria pedir para ficar, mas ele tem razão. Quitéria não vai gostar de me ver aqui. Não quero ser humilhada de novo. Durante toda minha vida, ela nunca demonstrou carinho por mim, apenas desprezo.

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