Parte Dois: III

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Observo o espaço que se formou em minha volta com espanto e admiração em simultâneo, era completamente branco e sem qualquer adorno a não ser pela única figura humana além de mim que se mantinha inalterada enquanto me perscrutava.

«Onde estou?»

«Pergunta errada, meu caro. Aqui não existe onde nem quando», a figura que se pronunciou possuía um ar resoluto e uma aparência esbelta, mas o que realmente chamara atenção foi a peculiaridade em seu olhar: heterocromia.

«Quem és tu então?»

«Um pouco melhor. Sou um guia, personificação de uma das leis que regem este Universo, a Dualidade. Aqui é o espaço onde habitam estas leis e, ironicamente, elas não funcionam aqui. Contudo, o que realmente te deixa confuso deve ser o que te traz aqui, certo? Ludwig? LUDWIG! Desiste desta busca! Não há nada além de ti aqui.»

Eu estava a andar freneticamente de um lado para outro, as vezes a correr, a procura de qualquer coisa que fizesse retornar meus sentidos que se dispersavam neste espaço extraordinariamente claro e nivelado. Escutava o que dizia o homem, mas não parei até este aparecer subitamente em minha frente. «Recomendo que não faças isto, não posso te oferecer água aqui depois que perderes o fôlego, mas posso fazer isto», com um gesto da mão, surgiu do chão um molde de forma cúbica que me serviu como assento. «Mais alguma pergunta?»

«Porque eu estou aqui?»

«Porque chegou teu momento, Ludwig. Todos têm um momento assim, uma oportunidade que só aparece uma vez na vida. Infelizmente, passa despercebida na maioria das vezes. Mas para ti é mais marcante devido a um de seus laços.»

«Laços?»

«Aldane, homem peculiar era ele. Ganancioso. Não hesitou minimamente quando ouviu a proposta de ter um desejo realizado, acabou pagando um preço alto.»

«Porque desejou então?»

«Já disse: ganância. Na verdade, não precisaria pagar nada se o desejo não envolvesse o Caminho», ele olha rapidamente para o relógio prateado que tirou do bolso do paletó. «O Caminho é algo inscrito em tudo que esbanja vitalidade e pode remeter ao Tempo ou ao Espaço que ditam a Vida. Em sua própria natureza, é unidirecional: podes olhar para o que está à frente ou atrás – também podes focar no ponto onde estiver, mas raramente fazem isso, seria muito simples; vós, humanos, preferis coisas mais complicadas. Este Caminho se cruza com outros, podendo ou não criar laços nestas intersecções. Estamos agora em uma curva do teu Caminho, o teu momento oportuno é onde decides teu destino. Qual o teu desejo?»

Não tinha nada que desejasse agora, tudo fluía tão bem e pacificamente que não havia necessidade de alguma mudança, não conseguia pensar em algo que custaria uma oportunidade única na vida. Não sei por quanto tempo estive absorto, mas penso que foi o suficiente para o homem decidir romper o silêncio.

«Oh! Ludwig... Ludwig... o tempo é mais acelerado para quem vive estagnado. Tomo nota de tua indecisão e te darei o prazo de uma semana para ponderar no assusnto. Eu estou um pouco atrasado para outro compromisso, então nos despedimos aqui.»

Em, literalmente, um piscar de olhos, estava de volta ao meu apartamento. Sem querer pensar no que se passou, corro para o quarto e me afogo nas cobertas como se elas fossem desmentir o que acabou de acontecer. Acordo com o som do despertador, um pouco mais tarde que o habitual visto que era sábado, logo me apronto e saio para cumprir aquilo que sempre fazia nestes dias, na expectativa de que manter a rotina sossegaria minha mente.

«Bom dia, Sr. Ludwig. Como estás?»

«Bom dia, Margaret. Estou bem, mas podia estar melhor, onde estão as crianças?»

«Estão brincando lá fora. Me pediram para agradecer a bola nova que compraste e que prometem não perder novamente.»

Acompanho Margaret, uma das funcionárias desse orfanato, até o local que já me era familiar, e vejo as crianças a rirem e brincarem desengonçadamente. Conheci esse orfanato através do trabalho como psicólogo, e em algum momento que não sei quando nem o porquê, mantive as visitas regulares, sinto que esse lugar me marcou tanto quanto eu a ele.

«Vejam, é o tio Ludie» gritou Kyle, correndo em minha direção trazendo as outras crianças consigo. Em um instante sou rodeado e saturado de perguntas, cumprimentos e sorrisos, até Margaret intervir para acalmar as crianças.

Já era fim da tarde quando saí do orfanato me alongando devido a uma leve dor no ombro, foi cansativo apesar de divertido. Quando já estava perto de casa, recebo uma chamada, era meu irmão me informando que teriam um jantar familiar amanhã, na casa de nossa mãe. Disse que não queria desculpas e que me arrastaria à força se fosse preciso. Eu normalmente negaria, mas desta vez não parecia má ideia, surpreendi-o ao confirmar minha presença. Me sentia diferente, algo havia mudado, mas não sabia o quê.

Nuances da Vida de um DiaristaOnde histórias criam vida. Descubra agora