Parte Dois: I

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Já passava das 19 horas quando estacionei o carro na garagem do condomínio e me dirigia para o salão da entrada, perguntei ao Ethan, o balconista – um homem de aparência selvagem que contrastava com o comportamento gentil – sobre a chegada de algum pacote em meu nome, que entregou depois de afirmar positivamente e acrescentou: «Uma senhora disse que precisava falar com o senhor, ela exalava urgência e insistiu bastante, então pedi que esperasse no átrio. Isso foi há quase uma hora. Já era mesmo hora de seguir em frente, Sr. Ludwig», comentou divertidamente.

«Ela disse seu nome?»

«E-esqueci de perguntar, desculpa.»

«Sem problemas, na verdade, eu tenho uma ideia de quem é. Tenha uma boa noite, Ethan». Segui para o átrio onde minha visita inesperada aguardava, que por sua vez, se levanta bruscamente assim que me vê, e após uma saudação ligeira e casual, pedi cordialmente que subíssemos para o apartamento. Uma vez instalados, e com taças de vinho em mãos, decidimos introduzir o assunto que dera motivo à esta visita.

«Lamento que isto tenha acontecido, Anna.»

«Não há aqui coisa alguma digna de lamento, Andrew, ele não tinha muito a perder, exceto por ter sido, potencialmente, nossa única fonte de informações, agora isto ficará para sempre envolto neste mistério, mas acredito que descobrir a verdade não suscitaria grandes mudanças. Mesmo assim, ele depositava em ti bastante afeto.»

A senhora em minha frente era Anna Claxon, filha do Sr. Aldane, este desafortunadamente falecera há uma semana. A forma mais eufêmica de descrever como o Sr. Aldane e eu nos conhecemos seria bizarro, já se passaram 18 anos desde este encontro. Na época, eu trabalhava em meio-período e voltava para casa quando a lua já estava alta no céu; foi numa destas noites em que a luz do luar tremeluzia nas poças de água resultantes de torrentes vespertinas que encontrei seu corpo frágil e severamente contundido, desde então, acompanhei sua recuperação e seu estabelecimento numa residência psicoterapêutica devido à amnesia que o afligia; em virtude disto, me formei em psicologia e comecei a trabalhar na área passado poucos anos.

O que realmente chama atenção neste caso é o mistério que o envolve. Aparentemente, Sr. Aldane era um abastado possuidor de uma família que recebia inúmeros olhares de admiração, não obstante, um dia desaparece inexplicavelmente sem deixar qualquer vestígio até ser encontrado na situação descrita. Ninguém foi capaz de descobrir, nem mesmo o próprio, sobre seu paradeiro durante os 5 anos que esteve desaparecido, e sua condição amnésica complexificava a busca por respostas, até sua família desistir e, posteriormente, todos os associados à investigação. Um pouco depois, sua esposa enfraquecida veio a falecer, talvez por desgosto.

Mantive minhas visitas frequentes na residência psicoterapêutica por aproximadamente três anos, e então perdi o contato com quem foi minha inspiração e meu primeiro paciente, mantendo algumas visitas breves regulares para me certificar de seu estado.

«Andrew, trouxe comigo alguns de seus pertences, sinto que estarão melhores contigo», ao dizer isto, levantou a caixa cúbica com cerca de dois palmos de comprimento. «Não havia muita coisa, apenas alguns livros e fotos, e um diário.»

Não medramos este assunto e logo estávamos a descrever nossas relações amorosas. Ela tinha há muito planos com seu marido, Johann Claxon, de se estabelecer em algum lugar mais tranquilo e espaçoso longe da capital onde poderia ver o pequeno William, agora com 5 anos, se desenvolver saudavelmente. Quanto à mim, estava agora nas fases finais dum divórcio.

Já na porta, enquanto nos despedíamos, Anna viu um gato preto entrar sorrateiramente e tentou me alertar inutilmente. «Não há problemas, este gato folgado aparece por aqui fortuitamente, petisca algo na cozinha e depois desaparece por tempo indeterminado. Isto já se tornou um hábito.»

Com um sorriso simpático, Anna comenta acerca de um gato preto com heterocromia que acompanhara seu pai por aí nestes últimos anos, nomeou-lhe Kay. Me diverti com a coincidência e terminei o dia a brincar com o felino, acariciando seus pelos macios até adormecer.

Nuances da Vida de um DiaristaOnde histórias criam vida. Descubra agora