Parte Dois: VIII

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Entre passos largos e rápidos, me aproximei em direção ao local que Margaret havia indicado. Encontrei Agnes, outra funcionária do orfanato, na sala de espera do hospital, tinha os olhos intumescidos e uma voz rouca. Ela logo se dispôs a detalhar o incidente, mas antes, ofereci um café e a garrafa d'água que comprei no caminho a fim de melhorar sua condição. Agnes me explicou que, passado o desespero de verem o pequeno Kyle se contorcer de dor, foram informadas pelo médico local que tudo se resolveria com uma cirurgia emergencial, o problema era o preço da cirurgia, um valor exuberante comparado ao que o orfanato tinha disponível.

«Não se preocupe com isso, apenas me envie a fatura. Onde está Margaret?»

«Muito obrigada, Andrew, não sabíamos o que fazer. Ela disse que iria conseguir o dinheiro e partiu em direção à sua cidade natal há pouco tempo antes de tu chegares. Acho que vai conversar com o tio.»

«O tio dela? Onde ela está agora?»

«Na estação a duas quadras daqui. Ela não está mais atendendo o telefone, está decidida em convencer o tio a emprestar o dinheiro.»

Sem mais delonga, corri até Margaret na expectativa de impedi-la, sabia quão excruciante seria esse encontro, dado que o relacionamento obnóxio que tinha com o tio era, no mínimo, impropriamente repulsivo. Ditosamente, avistei-a ainda na fila da bilheteria, corri até ela enquanto vociferava seu nome.

«Andrew, o que fazes aqui?», ela disse suavemente, levemente divertida ao me ver sem fôlego por uma mera e efémera corrida.

«Não precisas ir, eu pago a cirurgia», eu disse finalmente. Ela me fita com um silêncio absorto, fios de lágrimas lentamente começam a se formar e a fluir por suas bochechas nacaradas.

«Andrew...Obrigada, eu – hic», sibilava dificultosamente aprisionando as lágrimas que ameaçavam transformarem-se em torrentes. Sobre o meu relacionamento com Margaret: tínhamos nos inscrito como voluntários no orfanato na mesma altura, desde então nos tornamos bons amigos. Circundei-a para um abraço que foi bem recebido e afaguei seus cabelos, suscitando um choro intenso e duradouro. Margaret chorou muito, mais do que gostaria de admitir, havia palavras e sentimentos reprimidos naquelas lágrimas. Nós voltamos juntos para o hospital, onde Agnes estava a conversar com um médico que viera avisar que iriam iniciar a cirurgia do pequeno Kyle.

Um silêncio reinou durante os 40 minutos seguintes, eu estava sentado ao lado de Margaret enquanto Agnes tinha ido ao banheiro quando fomos notificados acerca dos resultados. A boa notícia que recebemos causou uma baderna de contentamento e alívio, e movidos por esta felicidade, nossos lábios se selaram num beijo acolhedor.

«O senhor também veio, tio Ludie», comemorou Kyle sussurrando. «Tia Maggie me disse para ser forte, e eu fui muito forte, igual o Saitama.»

«Eu vi, tia Maggie e eu estamos orgulhosos», disse acariciando sua cabeça sentindo o olhar questionador de Margaret nas minhas costas.

«Quando voltar, também vou fazer 100 flexões.»

«Não tão cedo, pequeno, pelo menos até o próximo mês. Combinado?»

«Eu vou poder ganhar aquele livro?»

«Que livro?»

«Aquele com música e cores... Nós vimos ele na loja, era colorido e tocava música.»

«Ah, já me lembro, se tivesses me dito que querias já o teria comprado, pequeno, mas façamos assim, se te comportares até o próximo mês, eu compro. Agora descansa mais um pouco». Estendi a mão fechada em punho, recebendo um soco leve de volta.

«Combinado», ele responde e se vira para voltar a dormir.

O pequeno ainda tinha um grande futuro pela frente. Quem dera eu se pudesse construir o caminho que ele irá trilhar, ou que alguém tivesse construído o meu ou, ao menos, me dito como fazê-lo. Essa capacidade de partilhar a vida com alguém, isso seria o suficiente.

Nuances da Vida de um DiaristaOnde histórias criam vida. Descubra agora