Parte Dois: IV

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Pressiono a campainha enquanto confirmava as horas no celular, havia chegado mesmo em ponto, às 18. Richard, meu irmão, me cumprimenta com um abraço apertado, tinha a barba feita e usava sapatos desportivos com uma camisa branca larga; ele me guia para a sala-de-estar onde estava com as crianças. «Elas não pararam de perguntar sobre ti esta semana. Devias vir me visitar mais vezes, irmão, caso contrário não vou hesitar em te fazer visitas surpresas, foste avisado. Vejam quem chegou, meninas!»

«Tio!» disseram em uníssono vindo em minha direção assim que adentrei a sala, explodindo uma cacofonia enquanto tentavam narrar tudo que tinha acontecido nos últimos dias em que estive ausente. Ambas tinham cabelos acastanhados e olhos claros, com bochechas salientes e rosadas. Sarah, a mais velha, me repreendeu por ter faltado à festa de aniversário de 4 anos da menor, Daisy. Perguntaram sobre o pequeno Willian, filho de Anna, dado que eram bons amigos, e se entristeceram ao informá-las que em breve teriam que se despedir porque ele iria se mudar. Quando finalmente se distraíram, caminhei até cozinha onde estavam minha mãe e cunhada preparando o jantar.

«Ainda bem, nosso chef chegou» diz minha mãe assim que me vê, «larga isso aí, Lisa, o Andy faz isso», num instante, eu estava com uma faca na mão preparado para começar a partir o frango. Servimos a mesa, comemos, depois nos acomodamos todos na sala conversando e rindo alto. Uma atmosfera acolhedora, calorosa e feliz se instalou, era surreal pensar que momentos assim fazem parte das minhas memórias, havia em mim um desmerecimento nascido da incredulidade de que este regozijo familiar me pertencia.

Já era quase 11 da noite, quando meu irmão partiu, visto que as meninas estavam sonolentas. A mãe reclamou de não terem as deixado com ela, mas meu irmão, que parecia estar já habituado a isto, a persuadiu habilmente.

«Neste caso, acho que irei também.»

«Espera, Andy. Vou pegar um vinho, preciso de uma desculpa para abrir aquela garrafa», ela volta com a garrafa já aberta e duas taças, continuando depois de nos servirmos, «esqueceste o caminho até a casa de tua mãe, pirralho?»

«Andei ocupado», dei de ombros tomando um gole do vinho.

«Sim, o Karl me disse. Todos vêm reclamar comigo dessa tua atitude alheia a tudo, não almejas nada e também não te importas se perderes tudo. Tua ex-esposa reclamou, teu irmão e o próprio Karl veio me pedir para te convencer a aceitar a proposta. Não acredito que tu queres deixar uma oportunidade assim passar, Andy!», ela faz um breve silêncio à espera de resposta, «Como estás, Andy? Do que tens medo?»

«Medo?»

«Sim, medo. O único motivo para uma pessoa não querer desfrutar a vida é o medo. Foi o primeiro sentimento negativo da humanidade, depois que Adão e Eva pecaram, sentiram medo da ira de Deus». Ela faz uma pequena pausa para apreciar o vinho. «Quando seu pai morreu naquele acidente, eu não sofri pela sua morte, mas pela minha. Temi a possibilidade de tê-lo acompanhado, que eu poderia também ter morrido... depois temi o futuro em que estaria sozinha... e então temi esquecer todos os momentos que passamos juntos. Não foi angústia ou ansiedade, foi medo, ele é a raiz de todos os males.»

«Não sei do que tenho medo» sussurrei.

«Não temas, meu filho. A serenidade está além da tempestade, em tempo e espaço», após dizer isto, ela se levantou pousando sobre a mesa a taça já vazia. «Eu quase me esqueço.»

«Do que?»

«De arrumar a comida do gato. Ele-»

«Que gato?!» disse num sobressalto.

«Eu não disse? Acabei adotando um gato que se auto introduziu em meu lar.»

Rapidamente me aprontei e me despedi de minha mãe, sem oferecer algum esclarecimento para minha saída repentina – não havia me esquecido do maldito gato, apenas o ignorei em prol da minha sanidade. Entrei no meu apartamento eufórico vasculhando inutilmente cada canto, passado algum tempo, já fatigado, me lancei sobre a cama rindo de minha própria estupidez.

Nuances da Vida de um DiaristaOnde histórias criam vida. Descubra agora