Confronto

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O dia seguinte começou mais leve do que eu imaginava. Satoru, com seu típico bom humor, tinha conseguido a tal missão “tranquila” que ele havia mencionado antes. Eu sabia que ele estava tentando me distrair dos acontecimentos do dia anterior, e no fundo, eu agradecia por isso. Não era o tipo de pessoa que gostava de relembrar os erros e frustrações, e uma missão rápida parecia a solução perfeita.

Dessa vez, não houve grandes desafios, apenas uma tarefa simples de exorcismo em uma área distante da cidade. Eu me saí bem, até melhor do que o esperado. Para ser honesta, foi eu quem acabou "salvando" Satoru de uma situação que ele subestimou.

— Sabe, você poderia me agradecer por isso — provoquei, depois de usar minha técnica para neutralizar uma maldição que havia surgido do nada.

Satoru soltou uma risada despreocupada, como se quase ter sido atingido por uma maldição fosse parte de sua rotina diária.

— Você só estava fazendo o seu trabalho, S/N. Mas, tudo bem, admito que você foi impressionante.

Revirei os olhos, sabendo que ele nunca perderia a oportunidade de dar uma alfinetada.

— Impressionante? Esse é o seu melhor elogio?

— Ei, eu não faço elogios à toa! — Ele colocou as mãos atrás da cabeça, caminhando ao meu lado com um sorriso satisfeito. — Mas já que você está insistindo, acho que você mereceu algo mais, né? Que tal a gente sair pra comemorar?

Suspirei, meio hesitante. Não era muito fã de comemorações, principalmente com Satoru envolvido. Ele sempre fazia questão de transformar qualquer encontro casual em algo grandioso.

— Comemorar? Por uma missão que era pra ser tranquila?

— Claro! E mais, vou chamar Shoko e Suguru também. Vai ser ótimo! — Ele sorriu, animado demais para o meu gosto.

Minha primeira reação foi negativa. Eu gostava de Shoko, é claro, mas sair para jantar com Suguru? Depois da confusão do dia anterior? Definitivamente, não era o que eu consideraria "relaxar". Mas, ao mesmo tempo, sabia que estava precisando de uma pausa. Não podia continuar me prendendo a sentimentos negativos, e talvez uma noite fora pudesse ser o que eu precisava para colocar meus pensamentos em ordem.

— Ok — eu disse, depois de um longo suspiro. — Mas só porque eu preciso relaxar, não porque você mereça.

Satoru riu, claramente satisfeito por ter conseguido o que queria.

— Perfeito! Vou avisar Shoko e o Suguru. Vamos nos encontrar às oito. E não se atrase, hein?

Ele saiu correndo, já mandando mensagens no celular, enquanto eu fiquei parada, refletindo sobre o que estava por vir. Uma parte de mim queria recusar o convite, fugir de qualquer possibilidade de tensão com Suguru, mas eu sabia que não poderia evitar isso para sempre.

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À noite, lá estávamos nós, sentados em uma mesa de um restaurante que Satoru adorava. Como esperado, Shoko estava calma e relaxada, já segurando um copo de bebida, enquanto Satoru contava alguma história ridícula sobre suas últimas missões. E então, do outro lado da mesa, estava Suguru, em silêncio, mas sempre atento a tudo ao redor.

Eu tentava não prestar atenção nele, mas era difícil. Havia algo em sua presença que sempre me deixava inquieta, ainda mais depois da conversa que tivemos no meu quarto. Ele não tinha dito nada desde que chegou, e eu também não. Parecia que ambos estávamos tentando agir como se o dia anterior não tivesse acontecido.

— Então, S/N, você salvou o Satoru hoje, né? — Shoko perguntou, com um sorriso de canto.

— Claro que sim. Ele sempre precisa de uma mãozinha — respondi, tentando entrar no clima da conversa e me afastar dos pensamentos sobre Suguru.

— Ei, ei, foi uma missão em dupla! — Satoru se defendeu, levantando a mão. — Mas S/N foi incrível, tenho que admitir. Eu estava distraído, e ela agiu rápido.

— Eu sempre ajo rápido — murmurei, pegando meu copo e tentando focar em qualquer coisa que não fosse o silêncio estranho entre Suguru e eu.

— Bom, nesse caso, acho que o jantar é mais do que merecido — Shoko concluiu, levantando seu copo para brindar. — Aos heróis da noite.

Todos brindaram, mas senti os olhos de Suguru sobre mim por um breve momento, como se ele estivesse tentando ler meus pensamentos. Eu desviei o olhar rapidamente, fingindo que não percebi. Sabia que eventualmente teríamos que conversar de novo, resolver o que quer que fosse que pairava entre nós, mas essa noite não era o momento certo.

Satoru, claro, não parecia notar a tensão. Ele continuava falando, rindo e fazendo piadas enquanto Shoko o acompanhava com comentários sarcásticos. Por mais que eu não quisesse estar ali no início, o clima estava começando a me relaxar, até mesmo a presença de Suguru parecia menos sufocante com o passar das horas.

Eventualmente, depois de alguns pratos e mais conversas, eu soltei um suspiro de satisfação, sentindo que talvez, só talvez, eu estivesse começando a encontrar algum equilíbrio novamente.

Mas então, Suguru finalmente quebrou o silêncio.

— Sobre ontem, S/N... eu não terminei o que queria dizer.

Minha respiração parou por um segundo, e todo o ambiente ao redor pareceu se silenciar também. Olhei para ele, sem saber como responder de imediato. Satoru e Shoko ficaram em silêncio, esperando pelo que viria a seguir.

Suguru me encarava de maneira firme, mas sua expressão não era de hostilidade. Parecia mais... resoluta. Eu sabia que essa conversa precisava acontecer, mas não estava preparada para isso agora, no meio de um jantar com nossos amigos.

— Não é o melhor momento, Suguru — murmurei, tentando evitar um conflito maior.

Ele assentiu lentamente, mas não desviou o olhar.

— Eu sei. Mas ainda vamos ter que resolver isso.

E com isso, o jantar voltou ao normal, mas a tensão que eu havia conseguido aliviar durante a noite retornou, se alojando no fundo da minha mente, me lembrando de que, mais cedo ou mais tarde, teríamos que enfrentar o que estava entre nós.

...

Eu não queria enfrentar nada. Queria simplesmente ficar na minha, tranquila, feliz com a paz momentânea que tinha conseguido. Quando o jantar finalmente acabou, eu não perdi tempo. Levantei da mesa o mais rápido que pude, inventando uma desculpa esfarrapada sobre estar cansada.

— Desculpa, pessoal, acho que vou indo. Dia longo, sabe como é — murmurei, já pegando minha bolsa e me afastando da mesa antes que qualquer um pudesse argumentar.

Shoko levantou uma sobrancelha, claramente percebendo que eu estava fugindo de algo, mas ela não disse nada. Satoru, como sempre, parecia mais distraído com qualquer outra coisa ao redor, e apenas acenou com a mão.

— Nos vemos amanhã então, S/N! Descansa.

Mas não era deles que eu estava fugindo.

Era de Suguru.

Ele mal havia dito uma palavra durante o jantar, além daquela tentativa de recomeçar a conversa do dia anterior. Eu sabia que ele queria falar, se desculpar, ou pior, explicar. Mas eu não queria ouvir mais nada. Ele já tinha se desculpado, e pra mim, isso deveria ser o suficiente. Tudo estava "ok", ou pelo menos era o que eu queria acreditar.

Quando saí correndo do restaurante, senti o ar fresco da noite bater no meu rosto, e finalmente consegui respirar com mais facilidade. Não precisava ouvir mais nada da boca de Suguru. Eu só queria deixar isso tudo pra trás, me afastar do peso daquela discussão e seguir em frente.

Mas, no fundo, eu sabia que não seria tão simples assim.

Entre Olhares e Mistérios - Suguru GetoOnde histórias criam vida. Descubra agora