Capítulo 24 - Nobres Abutres

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Tommy entrou pela porta do moinho, fazendo todos os olhos se virarem para ele. Vincent o recebeu com um caloroso abraço. Já haviam passado três dias e, finalmente, foi como se a esperança tivesse entrado com ele.
- E então? - Perguntou Vincent. - Quais são as novidades que tem para nós?
- Meu senhor. - Disse Tommy com a voz serena. - Há um vilarejo de vampiros ao sul, meio dia de viagem daqui.
- Explicou nossa situação ao chefe do vilarejo?
- Sim, ele me pediu para levá-lo até o vilarejo o mais breve possível.
- Sendo assim, partiremos ao entardecer. - Declarou Vincent. - Você nos guiará, Tommy. Anthony, Sthephan, Benjamin e Lucca irão me acompanhar. O resto de vocês ficará aqui, aguardando a nossa volta. E você, Violet, exercerá a minha função de líder.
Algumas caras ficaram emburradas ao ouvirem o último comentário de Vincent.
- Porque Violet ficará com a sua função? - Reclamou Phillip. - Porque não escolhe um de nós?
- Só o fato de me fazer essa indagação é o motivo pelo qual eu não o escolhi. Violet é mais do que capaz de liderar todos vocês. - Sua voz era firme. - Ela tem a minha total confiança.
- Mas... - Phillip exitou. - Ela é uma mulher. Sem mencionar que não é como nós, não é nascida vampira.
- Meu sangue é tão puro quanto o de vocês. - Violet se posicionou.
- Não precisa se provar para ele, Violet. - Ressaltou Vincent. - Você já tem a minha confiança e é só isso o que importa.
Sthephan pôs a mão na boca e virou o rosto rapidamente para que Phillip não o visse rindo, mas não adiantou.
- Está achando engraçado, Sthephan? - Perguntou irritado.
- Você percebeu? - Falou com ironia.
- Ora, seu...
- Basta! - Ordenou Vincent. - Não é o momento adequado para esse tipo de discussão. A aqueles que vão, preparem-se.
Os vampiros se dispersaram. Anthony amolava sua espada enquanto pensava em Lucy. Fazia uma semana que ela havia partido para a casa dos Dauphin e a falta de notícias estava o deixando angustiado. Ele imaginava se ela estava feliz lá com Oliver. Se ele a fazia sorrir todas as manhãs e se lhe dava breves beijos antes de dormir. Aqueles pensamentos embrulhavam seu estômago. A simples ideia de Oliver estar próximo de Lucy - a sua Lucy - o fazia ter calafrios.
-Se o conheço bem, diria que o seu pensamento está voando sobre uma certa propriedade. - Sthephan se aproximou de Anthony. - Está pensando em uma bela jovem de cabelos loiros e olhos encantadores.
- Eu não devia tê-la deixado ir para aquele lugar. - Desabafou.
- E o que você podia fazer, Anthony? Sequestrá-la?
- Parece absurdo, mas talvez essa fosse a coisa certa a fazer.
- Não está falando sério. - Sthephan fitou os olhos de Anthony que pareciam tão certos do que sua boca dizia. - O pior é que parece que está falando sério. Meu amigo, você não pode agir pelos seus instintos protetores por ela. Certas coisas estão fora de seu controle e a vida dela é uma dessas coisas.
- Tenho consciência disso, Sthephan. Por mais que não pareça, eu sei que não posso simplesmente tirá-la de sua vida, mas há algo dentro de mim que me diz que tem alguma coisa errada.
- Como assim?
- Eu não sei explicar. É como uma sensação de que ela precisa de mim. - Ele suspirou, deixando cair a pedra com a qual amolava sua espada. - Ela está sozinha, desprotegida.
- Não adianta especular, meu caro. Talvez seja só uma sensação e nada mais do que isso.
- Espero que esteja certo.

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Lady Dauphin andava pelo corredor do andar superior do castelo, seus pés pareciam pesados como pedras fazendo barulho que ecoavam por todo o espaço. Ela parecia tranquila, embora seus pés quase afundassem no chão a cada passada. Seus olhos brilhavam como duas pedras preciosas que recebiam o primeiro raio da aurora. Bateu delicadamente três vezes na pesada porta de madeira dos aposentos de Lucy. Constantine, que penteava os cabelos da jovem, abriu a porta para Lady Dauphin. Ao vê-lá entrando no cômodo, Lucy se pôs de pé imediatamente e, com um certo receio, cumprimentou a dona da casa.
- Bom dia. - A Lady disse cordialmente.
- Bom dia. - Lucy respondeu com um tom um pouco baixo demais.
- Constantine, - Chamou Lady Dauphin. - Abra o baú e pegue o vestido rosa e dourado, prenda os cabelos dela com uma coroa de tranças, coloque um adorno dourado neles. Na penteadeira encontrará um colar de pérolas e brincos que combinam.
Enquanto Lady Dauphin passava as intrunções a Constantine que prestava atenção como um cão treinado, Lucy apenas olhava, sentindo-se invisível perante aquela mulher tão imponente e assustadora à sua frente. A Lady falava como se Lucy não estivesse ali, ao lado da criada, ouvindo tudo o que se estava sendo dito.
- Precisa estar pronta em uma hora, ouviu bem? - Seu olhar era desconcertante.
- Sim, minha senhora.
Lady Dauphin finalmente olhou para a menina tímida ao lado de Constantine. Seus olhos pareciam atravessá-la.
- Amigos íntimos estão a caminho. - Disse secamente. - Eles desejam conhecê-la. Precisa estar vestida a altura para conhecer tais pessoas imponentes. Muitos fazem parte da côrte real.
- Eu não a decepcionarei, minha senhora. - Disse a jovem um tanto temerosa.
- Ao menos você é bonita. - Pegou uma mecha do cabelo loiro de Lucy com um certo desdém no gesto. - Talvez isso seja o suficiente para que eles não notem a falta de outros atributos.
Lucy sentiu seu estômago revirar. Porque Lady Dauphin a estava tratando daquela maneira? Em sua confusa cabeça, ela não era capaz de pensar em uma mísera resposta para esse questionamento.
- Isso é tudo.
A Lady saiu dos aposentos deixando um rastro amargo naquele lugar.
- É melhor começarmos logo. - Constantine andou até o baú e procurou o vestido que sua senhora havia lhe ordenado. O pegou e o vestiu em Lucy. - Vejamos, acho que ficará um pouco folgado, mas podemos resolver...
- Porque ela não gosta de mim? - O olhar de Lucy era vazio. Distante.
- Não fique chateada com isso. Lady Dauphin não é conhecida por sua gentileza. Além disso, é raro uma mãe gostar da mulher que se casará com seu filho.
- Eu temo que não seja só por esse motivo. - Ela enrijeceu as sobrancelhas. - Desde que cheguei aqui, sinto que há algo terrivelmente errado. Rezo para que eu esteja errada, mas minha intuição raramente está errada.
- Não deve deixar esses pensamentos a atormentarem, Lucy. - Ela terminou de vesti-la e a levou até a penteadeira, onde começou a escovar seus cabelos. - Se não tem a simpatia de Lady Dauphin, não fique triste. Você tem o amor do Lorde e o carinho dos criados.
Lucy sorriu para o reflexo de Constantine. Sem dúvidas, conhecer Constantine foi a melhor coisa que lhe aconteceu naquele lugar. Ela sentia um carinho verdadeiro e genuíno pela criada e podia sentir que era recíproco. Graças a Constantine, Lucy não se sentia completamente sozinha.
As carruagens começaram a chegar quando o pôr do sol apareceu entre as colinas. Homens e mulheres muito bem vestidos desciam de cada uma delas. Estavam enfeitados da cabeça aos pés, ostentando adornos de ouro e prata, brincos, aneis, colares e chapéus.
A jovem Lucy estava de pé, ao lado de Oliver e Lady Dauphin. Sentia-se uma estátua de cera, sem poder se mexer ou emitir qualquer som. A gola do vestido pinicava seu pescoço, a saia estava muito comprida, a bainha quase se espalhava pelo chão e havia um cheiro esquisito emanando do vestido. Ela não sabia o que fazer, parecia que qualquer movimento seria errado. Os convidados entraram no salão do castelo e foram recebidos com apertos de mãos e cumprimentos cordiais. Lucy estava assustada, como um bicho acuado no meio de predadores sanguinários. Seus olhos azuis estavam arregalados e assustados. Pensou em correr dali, sair do salão, sair da propriedade e correr até onde suas pernas suportassem ir. Oliver a apresentou para os convidados. "Esta é a senhorita Lucy, minha noiva", ele dizia com uma certa satisfação em seu tom de voz. Os homens se encantavam com a beleza da menina e as mulheres se espantaram com a pouca idade dela e como já era capaz de encantar tantos homens. O que todos queriam saber era como o jovem casal havia se conhecido. Assunto esse que Oliver respondeu com vigor e orgulho. A incredulidade tomou conta dos rostos de todos que ouviam a história quando Oliver contou sobre o nascimento e vida simples de sua noiva. Com tantos olhares para ela, Lucy desejou sem invisível naquele momento. Uma mistura de surpresa com pena preencheu os olhares dos convidados. Haviam muitas perguntas, muitas dúvidas e comentários a serem feitos.
-Então, quer dizer, que a senhorita é órfã? - Uma mulher de pescoço longo e olhos de peixe perguntou à Lucy. - Pobrezinha. Crescer rodeada de pobreza.
Lucy não sabia o que dizer. Seu rosto ardia de tão vermelho que ficava sempre que alguém se aproximava para fazer um comentário infeliz ou deselegante.
Ela pôde perceber que de nobres, alguns só tinham o título. Não eram refinados ou elegantes, como imaginou. Na verdade eram barulhentos e desagradáveis. Os homens eram mal educados e as mulheres fofoqueiras e desconfiadas. Não fazia questão de fazer parte daquele grupo, sentia-se deslocada.
Lucy seguia Oliver para onde ele fosse, como uma sombra, sempre atrás. Ela não falava, ria quando as pessoas olhavam para ela e concordava com a cabeça quando Oliver dizia alguma coisa. A menina estava quase parecendo um cãozinho adestrado, que aceita de bom grado o que o dono tem a oferecer.
-Diga-me, senhorita Lucy - Disse Sir Richard, um homem robusto com uma espessa barba que cobria quase todo o seu rosto. - Como nosso jovem Lorde conseguiu fazê-la cair em seus encantos?
- Bem... - Ela ficou desconcertada.
- Não seja tímida, minha querida. Sabemos que a sutileza não é um dos principais atributos do Lorde.
Eles riram e, consequentemente, Lucy também riu, mas antes não o tivesse feito. Os olhos de Oliver tornaram-se tortuosos como uma noite da mais impiedosa tempestade. Estava furioso.
-Nos dêem licença, por favor. - Disse o Lorde secamente.
Oliver e Lucy saíram do salão e, uma vez fora, ele segurou sem braço brutalidade e a puxou para o corredor. A luz das velas não só podiam revelar os olhos enfurecidos de Oliver, como também o semblante apavorado de Lucy.
-Como ousa zombar de mim? - Ele a empurrou na parede, ainda segurando seu braço.
- Por favor, solte-me. - Ela implorou. - Está me machucando.
- Cale-se. - Ordenou com a voz impetuosa. - Como ousa rir de mim?
- Mas eu...
- Já disse para calar-se. - Ele apertou o braço de Lucy com mais força. - Quem você pensa que é? Eu direi quem você é. Não passa de órfã medrosa e chorona, a escória da sociedade o pior tipo de criatura que existe. Acha que é alguém só por estar cercada de pessoas importantes? Se acha tão importante que pode rir de mim?
- Solte-me. - Suplicou enquanto chorava. As unhas de Oliver agora também machucaram sua pele já sensibilizada pela dor do aperto.
Oliver a soltou com desgosto. Olhava com um certo nojo e com toda a raiva que havia dentro de si naquele momento.
-Não pense que é alguém especial. - Ele sussurrou em seu ouvido. - Você não é nada.
Lucy tremia e chorava. Estava apoiada na parede, evitando fitar os olhos do homem que a intimidava e machucava. Oliver pegou seu rosto com violência, apertando a ponta de seus dedos em sua face, como se estivesse tentando quebrar sua mandíbula.
-Vá para os seus aposentos em silêncio. - Disse num tom mais ponderado, porém ainda ameaçador. - Sua noite acaba aqui.
Ele a soltou, fazendo-a bater a cabeça na parede. Saiu andando e a deixou lá, parada, incrédula. Ela não entendia o que tinha acabado de acontecer. Seu braço doía e latejava como se estivesse queimando. Seu rosto parecia que tinha acabado de ser mutilado. Mas o que mais a assustava eram os olhos. Como os olhos de Oliver tinham se transformado nos de um monstro terrível e horrendo. Uma criatura sedenta por dor e choro.
Em silêncio, ela andou até o andar de cima e foi para o seu aposento. Tirou suas roupas, o adorno em seus cabelos e as joias que a enfeitavam. Deitou-se na cama e chorou até cair em um sono tortuoso.

Sangue Profano (Em Andamento)Onde histórias criam vida. Descubra agora