Capítulo 14 - Os olhos de um Pecador

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Violet estava de pé, observando cuidadosamente o morcego que pairava sobre sua cabeça. Ele parecia estar zombando dela, como alguém que brinca de pique pega e fica provocando o outro, achando que está fora de alcance. Mas ele mal pôde ver o golpe que o acertou, logo, ele estava sem sua cabeça, seu corpo espirrava sangue para dentro da boca da mulher que havia acabado de o matar.
- Bravo! - exclamou Sthephan a aplaudindo. - Quero dizer, Brava!
Violet terminou de sugar todo o sangue que havia nas veias daquele pequeno animal já morto em suas mãos. Ela teve sorte, pois ele era gordinho e conseguiu satisfazê-la. Sua boca estava suja com resquícios de sangue e haviam gostas do mesmo líquido vermelho em suas bochechas, consequência de quando ela arrancou a cabeça do morcego fora e a jogou no chão.
- Deus, esse estava muito bom - ela disse lambendo os dedos e sentando-se ao lado de Sthephan. - Tive sorte.
- Garanto que o sangue desses animais não é mais saboroso do que o sangue dos humanos - ele disse. - Porque não vem conosco beber sangue dos humanos?
- Porque é contra as regras e você sabe.
- Mas seria divertido. Nós quatro bebendo sangue bom, sangue puro.
- Não me tente - ela parecia irritada. - Gostaria de beber esse sangue, mas não vou contra as regras. Vocês são tolos e imprudentes quando fazem esse tipo de coisa.
- Então, eu posso lhe oferecer o meu sangue. - ele lhe estendeu o braço. - O sangue deles ainda corre aqui nas minhas veias, você poderia sentir o sabor.
Violet ficou tentada em aceitar. Fazia muito tempo que não desfrutava do sangue humano. Aquela prática, de beber o sangue de um vampiro para sentir o sabor do sangue humano que ele havia bebido era bastante comum, especialmente quando se tratava das crianças, as mães saiam para se alimentar e logo em seguida alimentavam seus filhos com o sangue fresco que haviam acabado de beber.
- Talvez na próxima vez - ela sorriu de canto.
- Vou aguardar ansiosamente.
O flerte nítido nas palavras e nos gestos de Sthephan já não incomodavam mais Violet como antes. Às vezes ele só esperava uma brecha para poder se aproximar dela, sua devoção a ela era mais do que evidente. No entanto, a jovem não era capaz de alimentar as expectativas de Sthephan, mas não era culpa do vampiro, mas de feridas abertas em seu passado que não haviam cicatrizado. Quando o mesmo tentou beijá-la após uma primeira aproximação, a reação de Violet foi rápida e certeira. Ela não conseguia se aproximar romanticamente de um homem, mesmo que ela suspeitasse que o interesse de Sthephan por ela fosse de fato genuíno.
- Céus, - falou Sthephan inclinando a cabeça para cima. - Estou tão faminto que posso sentir o cheiro de sangue humano.
- Eu também sinto - Violet farejou o cheiro no ar. - E reconheço de quem é o cheiro. A menina humana.
- Lucy? - indagou. - Ela está nas catacumbas?
- Não. O cheiro está fraco para vir de dentro das catacumbas. Ela deve estar próxima ao mausoléu.
- O que fazemos?
- Avisamos a Anthony, é claro.
- Desde quando você apoia isso?
- Desde quando você se importa?
- Ele é meu amigo - disse Sthephan. - É claro que me importo com ele e com o que ele faz. Sei que você o acha tolo por estar apaixonada pela menina humana.
- Não o acho um tolo, apenas... - ela fez uma pausa. - Descuidado.
- De qualquer forma, ele gosta dela e é meu dever, como amigo, me importar.
- Então vá chamá-lo - ela pediu. - Para que ele possa descobrir o que ela faz aqui.
Sthephan levantou-se num pulo e adentrou a escuridão do túnel no qual estava. Ele avistou Anthony deitado sobre um saco de feno. O rapaz olhava para o teto úmido com uma expressão vazia.
-Está sonhando acordado? - Sthephan se aproximou.
- Quase isso - disse em um suspiro. - O que foi?
- Uma jovem donzela o aguarda lá fora - disse Sthephan.
- Lucy?
- E você conhece outra? - ele riu.
Anthony franziu a testa e foi andando para fora das catacumbas. Ele quase correu, mas não queria parecer desesperado. Ao sair do mausoléu ele viu a figura angelical de Lucy, a jovem estava inquieta e parecia preocupada. Mesmo andando de uma forma sutil, Lucy foi capaz de ouvir Anthony se aproximar vagarosamente dela, como um animal a espreita de sua presa.
- O que está fazendo aqui? - Anthony falou com preocupação em seu tom de voz. - É perigoso que venha até aqui.
- Eu sei, mas eu precisava - Ela respondeu apreensiva. - Você não soube?
- Soube do quê?
- O vampiro que capturaram... - ela engoliu seco. - Eles o executaram na praça.
O olhar de Anthony tornou-se preocupado e ele estreitou as sobrancelhas.
- Você viu?
- Sim - ela respondeu com pesar. - Eu precisava ver a verdade com meus próprios olhos.
- Não deveria. Não desejaria que meu pior inimigo visse algo como isso. - Anthony se aproximou de Lucy de forma sutil. - Você está bem após isso?
Ela assentiu. Seu olhar desviou-se para o chão e ele pôde ver que ter presenciado aquela execução havia sido demais para sua alma frágil.
- Eu posso? - disse ele estendendo seus braços.
- Pode - ela respondeu com doçura.
Anthony envolveu Lucy em seus braços com um abraço terno. Ele podia sentir o pulsar de seu coração através de seu peito, os batimentos dela estavam acelerados, mas não da forma como quando se está com medo, era de um modo diferente. Lucy era quente e emanava seu calor para o corpo gélido de Anthony. Ela, por outro lado, sentia o copo algente do vampiro a dominando, mas ela não sentia medo, muito pelo contrário, Lucy sentia aconchego em seus braços e segurança em seu abraço.
- Deve ir para casa - ele disse enquanto ainda estavam abraçados. - Tente esquecer o que viu.
- Não - ela se afastou dele. - Eu não posso ir, há algo importante que preciso lhe dizer.
O rosto do rapaz estava com uma feição intrigada.
- Precisam sair daqui o mais rápido possível, pois já sabem onde se escondem.
- O quê? - ele estava surpreso. - Como?
- Me foi dito que o vampiro capturado disse que haviam vampiros vivendo nas catacumbas de Paris. Pretendem atacá-los em breve.
- Quem lhe disse isso?
- Meu noivo... - Sua voz foi relutante.
- Seu... - Anthony fez uma pausa. - Não sabia que tinha um noivo.
- É recente. Faz poucos dias.
- E como ele obteve essa informação?
- Foi ele próprio quem o capturou.
- Está noiva de um caçador? - ele mal podia acreditar.
Lucy ficou desconcertada. Estava envergonhada por confirmar que de fato estava noiva de um caçador de vampiros. Embora ela ainda não tivesse se acostumado com a ideia de se casar com Oliver, dizer aquilo em voz alta para Anthony parecia ter sido uma coisa terrível.
- Sim... Estou noiva de Oliver Dauphin.
- Vai se casar com um Dauphin?
- Você o conhece?
- Quem não conhece essa família? Uma família de caçadores. O pai dele foi o mais cruel e sanguinário caçador de vampiros que já se teve notícia. Muitos de nós morreram pelas mãos dele.
Lucy suspirou. Era um fato incontestável e ela não se orgulhava daquilo.
- Você o ama? - a pergunta surgiu da boca de Anthony de forma espontânea.
O silêncio predominou. Nem ele e nem Lucy soltaram uma única palavra por longos minutos.
- Desculpe-me - ele finalmente disse. - Estou sendo impertinente. Isso não é da minha conta.
- Está tudo bem - ela disse modestamente. - Eu não sei... É tudo tão recente que acho cedo para dizer que possuo este tipo de sentimento por ele.
- Porque tanta pressa em se casarem?
- Eu não sei. Ele parece bastante compenetrado nisso, embora eu não entenda o porque de querer casar-se comigo de forma tão apressada.
- Eu entendo - ele respondeu. - Se tivesse a oportunidade de casar-me com a senhorita, eu não perderia tempo. Invejo ele.
Lucy ficou sem jeito, mas não baixou o rosto. Ela fitou os olhos castanhos de Anthony e tentou decifrar o enigma que veio em sua mente.
- Porque está me olhando desta maneira? - Quis saber o vampiro.
- Me disseram uma vez que, se olhasse bem nos olhos de uma pessoa, seria capaz de ver seus pecados. Que o pecado fica estampado neles e em suas feições como uma marca, mas, por algum motivo, eu nunca vi o pecado em seus olhos.
A voz de Lucy era ingênua e gentil. Anthony sentiu seu coração pulsar como um tambor. Ela era capaz de fazê-lo sentir-se bem consigo mesmo. Perto dela, ele não se sentia o monstro que a humanidade condenava e desprezava.
- Isso é porque você me enxerga sem julgamentos em seus olhos - ele disse segurando as mãos dela. - Você me olha com carinho e afeição e, por esse motivo, é capaz de ver muito além do que qualquer outra pessoa ao me ver.
As mãos de Anthony eram completamente diferentes das mãos de Oliver. O Lorde compartilhava do mesmo calor que ela, mas não da mesma ternura genuína que as mãos de Anthony possuíam ao tocar nas mãos dela. Desde que viu Anthony pela primeira vez, Lucy sentia algo diferente nele, ela não entendia essa sensação e não sabia se Anthony sentia o mesmo. Talvez fosse por causa disso que não conseguia entregar seu coração por completo a Oliver, porque Anthony o rondava incessantemente.
O vampiro olhava a feição ingênua daquela menina a sua frente, a dama que roubou seu coração no instante que ele a viu. Sua mente e seu coração pertenciam à ela, mas ele não podia dizer aquilo. Temia que ela se afastasse, temia que ela não sentisse nada por ele. Ele se calaria e reprimiria seus sentimentos se isso significasse ficar ao lado dela.
- Precisa avisar aos outros - ela rompeu o silêncio. - Precisam partir logo.
- Sim, tem razão - ele soltou as mãos dela. - Eu o farei.
Antes que pudesse dizer algo mais, Anthony sentiu uma presença surgir atrás dele, rápido como um vento inesperado. Ele virou-se rapidamente e viu Vincent parado ao lado da entrada do mausoléu. Lucy deu três passos para trás, mas não por medo, mas como um reflexo.
- Não tenha medo - ele disse referindo-se a Lucy. - Soube que estava aqui e vim vê-la.
- Ela veio... - Anthony foi interrompido.
- Desculpe-me, meu amigo, mas gostaria de ouvir dela. - sua voz foi tão suave que Anthony sequer sentiu-se desconfortável.
- Eu... - ela respirou fundo. - Vocês precisam sair das catacumbas imediatamente. Os caçadores logo virão, pois sabem que estão aqui.
- Minha criança, - Vincent andou com até ela. - Admiro tanto a sua coragem e seu coração bondoso.
Vincent tocou o rosto de Lucy. Ela sentiu os dedos gélidos de Vincent deslizarem de sua bochecha até seu queixo.
- Corre um risco enorme em vir aqui e mesmo assim vem nos avisar. Não saberia como retribuir teus gestos.
- Meu único desejo é que fiquem seguros - sua voz foi firme. - Não quero que nada de ruim aconteça com nenhum de vocês.
- Um coração tão precioso quanto as estrelas. Tem minha simpatia e gratidão eterna, querida.
Lucy sorriu. Um sorriso belo e verdadeiro.
- Vou avisar nossos companheiros - ele disse. - Certifique-se de que essa senhorita chegue a salvo em sua casa.
Vincent beijou a mão da jovem, ele era gentil e terno com ela.
- Não se preocupe - Vincent disse. - Ficaremos a salvo e graças a você.
O vampiro se foi como uma sombra que desaparece sob a luz de uma vela. Anthony olhou para Lucy com um sorriso no canto dos lábios.
- Ele gosta de você - Anthony enfatizou. - Parece que a senhorita tem algum tipo de feitiço que conquista todos que a conhecem.
Lucy riu. Desde criança, as pessoas lhe diziam coisas parecidas, pois, de fato, as pessoas gostavam dela quando a conheciam.
- Achei que era o único que havia sido conquistado - disse ele timidamente. - Mas parece que não. - ele pigarreou. - De qualquer forma, precisava voltar para casa.
- As ruas devem estar movimentadas agora - ela disse. - Acho que devo ir sozinha.
- Não, eu...
- Eu ficarei bem - ela o confortou. - Prometo que tomarei cuidado.
Apesar dele querer ficar mais alguns minutos com ela, Anthony sabia que era perigoso sair naquele momento.
- Tenha cuidado - ele disse por fim.
Lucy sorriu tentando passar segurança para Anthony. Mas o que ele não sabia, é que Lucy podia ser extremamente sorrateira quando queria. Podia passar despercebida em algum lugar, era como um dom que ela tinha.
- Não se preocupe. - ela segurou rapidamente a mão de Anthony.
Anthony a viu ir embora, deixando um vazio em seu peito. Mais uma vez ele estava intrigado com a maneira que Lucy mexia com ele, ela era diferente, com toda a certeza ela era o mistério mais lindo que ele queria desvendar.

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