Capítulo 08 - Pequenos Rastros

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- Acabo de vir de sua casa, senhor frade - disse Oliver enquanto caminhavam pelo extenso corredor da igreja.
- E o que foi fazer em minha casa, senhor? - ele parecia não ter gostado de ter ouvido aquilo.
- Fui visitá-lo e a sua filha também, mas quando bati na porta, ela me disse que já havia saído e não teria cabimento um homem permanecer na casa de uma moça desacompanhada.
- Que bom que o senhor pensou nisso.
Oliver sentiu que frade Harmon não estava muito adepto a conversar, mas não desistiu.
- A sua filha parecia muito triste - disse Oliver. - Eu só quero que saiba, que o que aconteceu noite passada, não me ofendeu, senhor. Nem um pouco.
- Pode não tê-lo ofendido, mas ofendeu a mim. Ela jogou fora a confiança que coloquei nela levando-a para o baile.
- Eu entendo e não tiro a sua razão. Na verdade, tenho grande admiração pelo senhor.
Harmon arqueou as sobrancelhas surpreso.
- E qual o motivo da admiração?
- Não é qualquer homem que acolhe um bebê de natureza desconhecida e o cria como sendo seu. Foi muito corajoso de sua parte. E, se me permite dizer, a criou muito bem.
- Eu fiz o que qualquer homem de Deus faria, peguei uma alma abandonada e a criei do melhor jeito que pude. Embora, às vezes, ela saia do caminho correto que a ensinei. - Harmon parou de andar repentinamente. - No entanto, gostaria que fosse direto ao ponto ao invés de me ludibriar com elogios. Diga-me logo o rumo desta conversa.
- O senhor presta atenção em tudo, senhor frade - Oliver sorriu de canto. - Vou direto ao ponto. Eu gostaria de sua permissão para fazer a corte a sua filha.
Harmon ficou alguns segundos em silêncio. Talvez tentando assimilar o pedido de Oliver. O interesse prematuro do jovem nobre em Lucy o pegara de surpresa.
- Fazer a corte a minha filha? - ele ainda estava confuso.
- Sim. Permita-me dizer, frade, mas sua filha é encantadora. Não é apenas bela, também é sensível, e é raro encontrar uma moça assim na nobreza.
- Sinto muito, senhor, mas Lucy está muito abaixo de seu nível social. Não me parece boa ideia.
- Não me importo com isso. - Oliver estava convicto. - A senhorita Lucy é muito mais nobre do que muitas donzelas que já vi e convivi. Eu quero muito corteja-la e me casar com ela.
- Por Deus, já está falando sobre casamento.
- Se vou corteja-la é porque quero me casar com ela. Acredite, senhor frade, Lucy é tudo o que sempre procurei. E farei de tudo para que ela seja feliz.
Harmon entortou levemente seus lábios quase demonstrando o seu descontentamento, mas ele não podia deixar Oliver sem uma resposta.
- Eu pensarei a esse respeito, senhor. Tem a minha palavra.
Oliver assentiu e aceitou a resposta de Harmon.

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O pequeno rato corria com suas pequenas patinhas pelas catacumbas. Lá ia ele apressado enquanto fazia ruídos típicos de um rato. No entanto, suas pernas e agilidade não foram rápidos o bastante para escapar da investida de Benjamin que o pegou sem o menor esforço. Ele cravou os dentes na pele peluda do rato ainda vivo e lhe tirou até a última gota de sangue. O rato nada mais parecia do que um trapo velho quando Benjamin o largou onde o encontrara. Antes gordinho, agora inteiramente magro.
- Este não foi um dos melhores - disse Benjamin lambendo o sangue que havia escorrido do rato por entre seus dedos. - Logo não haverão mais ratos nesta cidade para me satisfazer.
- Maldita vida escondida - reclamou Sthephan. - Quero beber sangue bom, sangue vívido e bem jovem. Ah, o que eu não daria por outra Joana.
- Fala da mulher da casa do prazer? - perguntou Benjamin.
- Essa mesma, meu caro - Sthephan deliciou-se ao lembrar da mulher. - Com bochechas rosadas e a pele macia. Aquele sangue me provoca a alma até hoje.
- Você tem coragem, isso tenho que admitir. Mas é um tolo.
- Tolo ou não, preciso encontrar sangue mais saudável do que o desses ratos imundos e tão limitados.
Anthony passou por Benjamin e Sthephan no túnel, mas seus pensamentos estavam tão longe que ele sequer notou a presença dos dois.
- Anthony - gritou Sthephan. - Está servido?
Anthony virou-se e recusou juntar-se a eles balançando a cabeça negativamente.
- Ora essa - Sthephan levantou-se e seguiu Anthony pelo túnel. - Você não se alimenta desde ontem, se já não estivesse morto eu diria que irá morrer de fome desse jeito.
O jovem continuou calado e andando pelo túnel.
- Anthony - falou Sthephan. - Não quer conversar? Fala comigo. Sabe que eu não gosto de falar sozinho.
Benjamin assobiou chamando a atenção de Sthephan, mas não adiantou, ele continuou seguindo Anthony até chegarem ao portão de ferro. No entanto, já haviam pessoas ali, o que surpreendeu os dois, pois era raro alguém sair dos túneis mais profundos para a entrada. A presença dos dois logo foi percebida pelos outros dois que já estavam ali.
- Ora rapazes, o que fazem aqui? - quis saber o de cabelos compridos e negros.
- O que está havendo, Vincent? - perguntou Anthony dirigindo-se ao de cabelo preto comprido.
- Lucca sentiu um forte odor de sangue humano nesta parte das catacumbas, estamos verificando. - Explicou Vincent. - Vocês dois sabem de algo?
- Não, senhor - disse Sthephan prontamente.
Vincent arqueou as sobrancelhas sugestivamente para a resposta imediata de Sthephan. Ele havia sentido um certo nervosismo em seu tom de voz, mas não o confrontou. Vincent era o líder da rebelião, foi ele quem começou tudo e se sentia no dever de proteger todos que faziam parte de seu ciclo. Lucca era seu braço direito, seu melhor amigo e conselheiro. Era quase um brutamonte de dois metros de altura, que com certeza, nunca sairia despercebido por aí.
Anthony sentiu um frio na nuca. Ele sabia que a culpa era dele. Mas, por um momento, não quis falar nada, não quis assumir sua culpa. Ele seria morto ou expulso de lá.
- Eu acho que não há porque se preocupar - disse Lucca. - O cheiro está fraco, muito fraco. Talvez um humano na cripta e não nos túneis.
- É bem provável - Vincent ainda carregava um semblante desconfiado, mas não disse nada. - Vamos voltar, então. Não há mais nada aqui.
Anthony baixou sua vista por meio segundo. Um movimento que sairia despercebido a qualquer um, mas não para um vampiro como Vincent. Ele era o mais velho de todos e possuía habilidades que os outros não tinham e talvez jamais viessem a ter.
- Posso falar-lhe? - disse dirigindo-se a Anthony.
- É claro. - ele respondeu.
- Em particular.
Sthephan e Lucca logo entenderam e se afastaram, deixando Anthony e Vincent completamente sozinhos.
- Está pálido - disse começando a andar em volta de Anthony. - Mais pálido do que deveria. Não está se alimentando direito?
- Apenas não tive fome.
- E o que fez perder a fome?
Anthony nada respondeu. Ele não soube o que dizer naquele momento.
- Ora, não me trate como um tolo - Vincent colocou-se a frente de Anthony. - Assim que você apareceu eu pude sentir que o cheiro humano também emanava de você. Esteve na presença de humanos, mais do que devia, não é?
Anthony engoliu seco. Sua expressão já entregava a culpa que ele carregava.
- A minha única pergunta para você é a seguinte: quem é ela?
Os olhos do vampiro mostravam sua surpresa.
- Como sabe...
- Já disse para não me tratar como um tolo. Eu vivi muito mais do que você e sei mais do que você sabe. Como sei que é uma moça? O cheiro é doce e jovem, carrega uma certa inocência em sua essência. É assim que eu sei. Porque a trouxe até aqui?
- Eu... me perdoe.
- Não tenho o que perdoar, tudo o que quero saber é porque a trouxe aqui? A colocou em risco e a todos nós.
- Precisava mostrar a ela quem eu sou.
- Ela vale todo esse perigo?
- Sim. A minha vida está nas mãos dela e a minha alma pertence a ela.
- Um coração apaixonado, pulsante e vívido pelo amor. Ah meu caro, me dói não poder dar-lhe felicitações por isso. A aproximação de um vampiro com um humano só trás desgraças. É só dor e sofrimento para ambas as partes. Somos opostos. Eles estão vivos e nós mortos; eles anseiam pelo dia e nós almejamos a escuridão. Tenha cuidado com esse sentimento que nutre. Nem sempre o mais nobre dos sentimentos é o mais seguro, tenha isso em mente.
Vincent deu pequenas batidas nas costas de Anthony e se foi pelo túnel das catacumbas.
Uma mistura de alívio e angústia tomou conta de Anthony mais do que ele gostaria. "Vincent poderia estar certo?" Ele se perguntava, mas não havia uma resposta clara aos seus olhos. Ele estava perdido. Sua sentença não era sua imortalidade, mas as consequências de se apaixonar. Apaixonar-se era sua sentença.

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Naquela tarde, Harmon voltou para casa. Lucy não o esperava e, apesar do sermão da manhã, ela alegrou-se em vê-lo.
- Tão cedo em casa, meu pai? - disse ela enxugando suas mãos na saia de seu vestido verde musgo.
- Sim. Preciso conversar com você. É algo muito importante.
O coração de Lucy acelerou os batimentos. Seu pai estava sério. Aquilo não era um bom sinal. Mesmo tremendo por dentro, a jovem se aproximou de seu pai e sentou-se em pequeno banco à sua frente.
- O Sr. Oliver veio até a igreja esta manhã para me pedir permissão para corteja-la.
Lucy arregalou os olhos enquanto aquelas palavras eram processadas em sua mente.
- E o quê o senhor disse? - quis saber Lucy.
- Eu disse que pensaria sobre isso - Harmon inclinou-se para mais perto de sua filha. - O casamento, Lucy, é algo a ser considerado. Eu confesso que não queria vê-la casada tão cedo, mas a situação mudou. Quero que tenha uma boa vida quando eu não estiver mais aqui. Uma vida confortável e próspera e, acredito, que o senhor Oliver é aquele que pode lhe proporcionar tudo isso. Nunca imaginei que um homem como ele se interessaria por uma moça simples como você, mas devo admitir que estou aliviado. Estou considerando dar a minha permissão para que ele a cortege. Vim comunica- la, pois afinal de contas, trata-se sobre você.
Lucy não disse nada, sequer esboçou alguma reação. Oliver era, de fato, um homem de boa aparência e muito cavalheiro, mas ela jamais imaginou que ele pudesse ter algum interesse nela. De repente, o rosto de Anthony surgiu em sua mente e isso a fez pensar que talvez estivesse mais feliz se fosse Anthony ao invés de Oliver. Se considerou louca ao pensar nisso. Não havia nenhum sentido no que havia pensado, mas ainda sim, aquilo estava em sua mente. Ela não estava triste por considerar em casar-se com Oliver, mas também não estava inteiranamente feliz com aquilo. Sua mente estava mais confusa do que jamais esteve.
- Ele terá a minha resposta ainda hoje - disse Harmon trazendo Lucy de volta a realidade. - Esteja pronta para isso.
Ela acenou com a cabeça positivamente. Harmon levantou-se e foi em direção a porta e saiu novamente sem olhar para trás, deixando a jovem sozinha com seus próprios pensamentos e suposições do que estava por vir.
- Pronta para casar... - disse a si mesma pensativa.

Sangue Profano (Em Andamento)Onde histórias criam vida. Descubra agora