Capítulo 32 - Adeus, gentil cavalheiro

3 1 0
                                    

Com a velocidade de um morcego fugindo da luz, os dias passaram voando. A manhã fatídica de domingo veio e com ela a melancolia de uma festa que marcava o início do fim.
Harmon sentia-se muito melhor, mas ainda não estava totalmente recuperado. Passava mais tempo em casa do que na igreja e estava ao lado de Lucy quando a mesma recebia a visita das costureiras que fariam seu vestido de noiva. Ele podia ver quando os olhos da filha ficavam marejados, mas não imaginava que era a tristeza e não a emoção que tomavam conta dela naqueles momentos.
- O que acha do vestido, querida? - ele perguntou.
- É lindo - ela disse. Não estava mentindo, pois de fato, ele estava ficando lindo.
- Lady Dauphin foi muito bondosa em lhe conceder duas costureiras para fazer seu vestido de noiva.
- Sim... - Lucy falou de forma inexpressiva.
O pai não sabia o quanto ela desprezava Lady Dauphin, o quanto Lady Dauphin era má e soberba. Fazer parte daquela família seria sua penitência eterna, com um marido odioso e a mãe detestável dele.
- Mal posso acreditar que isso está acontecendo. - o frade levou as duas mãos até a boca, como uma forma de êxtase. - Minha garotinha vai se casar. Oh, Deus sabe o quanto rezei por uma boa vida para a minha menina. Fico feliz em poder testemunhar esse tão aguardado acontecimento.
Lucy sentiu uma angústia subir por sua garganta, era como um vômito que subia e descia. Ela olhou com ternura para seu pai, mas ainda carregava feições infelizes.
A alta sociedade francesa e o clero eram aqueles que frequentariam a festa. Lady Dauphin foi muito rígida quanto a frequência. Ela não queria que nenhuma pessoa de classe baixa sequer colocasse os pés no salão.
A noite caiu prematuramente, o salão estava quase da mesma forma quando Oliver veio a cidade pela primeira vez. Carruagens finas e estonteantes estacionaram na frente do grande salão. Homens e mulheres de diferentes idades e tamanhos desciam das belas carruagens, a grande aristocracia francesa havia vindo de todas as partes para prestigiar o evento. O baile foi organizado pela própria Sofia Dauphin, desde a decoração impecável, até as comidas e bebidas. O ponto alto da festa eram as máscaras que todos deviam usar. Máscaras de diferentes tamanhos, cores e formatos, presas na cabeça ou presas em um suporte e colocadas sobre o rosto com o auxílio da mão.
Lucy, Oliver e Lady Dauphin estavam de pé na entrada do salão para recepcionar os convidados. O próprio Lorde havia escolhido o vestido que Lucy usaria, uma vestido azul claro como um dia ensolarado e sem nuvens, com adornos de ouro e prata, mangas bufantes com costuras brancas. A máscara da jovem combinava com seu vestido, prateada e presa em seu rosto. Oliver vestia um traje verde escuro, com calças pretas e botas marrom escuro, havia um ornamento de ouro em volta de seu pescoço como um colar longo. Lady Dauphin usava um belo vestido da mesma cor da roupa de seu filho, estava enfeitada com pedrarias na cor prata e um véu com pérolas em sua cabeça. Tanto Oliver como Sofia tinham máscaras finas presas em um suporte para serem seguradas próximas ao rosto.
As mãos de Lucy estavam inquietas assim como ela própria. Estar ali de pé, ao lado de seu futuro marido e sua sogra, recepicionando aquelas pessoas que sequer conhecia e sentindo seus olhares julgadores penetrando sua carne, era tão torturante que ela desejava estar morta. A todo momento ela tentava lembrar do porquê estava fazendo aquilo, do porquê estava se prestando aquele momento terrível. A máscara a ajudava a esconder seu olhar melancólico, seus olhos marejados e desesperados, clamando por uma escapatória ou uma salvação.
- Vamos entrar. - Anunciou Oliver, tocando no cotovelo de Lucy. - Mantenha um belo sorriso nesses belos lábios.
Seu olhar sombrio e ameaçador não a faziam tremer mais, apenas aumentava a sua indignação de estar ali.
Se perguntava o porquê de Deus permitir tamanha injustiça com ela. Não havia sido uma boa filha por tantos anos? Que pecado hediondo e vil ela teria cometido para merecer um destino pior do que a morte?
O alaúde, a flauta, o tambor e a harpa tocavam em um tom harmonioso. A voz doce da mulher que cantava os acompanhando, fazia parecer que o céu estava diante deles. As pessoas se alinhavam em fileiras e dançavam no compasso dos instrumentos e da voz angelical.
Oliver, Lady Dauphin, Lucy e os membros do clero estavam em grupo, reunidos e conversando.
-A festa está estonteante, mi Lady. - Disse Frederic com entusiasmo. - E este vinho? Nunca provei tão saborosa bebida em toda a minha vida.
- Obrigada, Padre. - Ela sorriu sem mostrar os dentes e com um certo ar de superioridade. - Este vinho veio da Romênia, de uma adega especial e exclusiva da nossa família. Não poderia permitir que a aristocracia bebesse um vinho qualquer de procedência desconhecida.
- De fato, minha senhora. - Frederic bebeu um gole do vinho.
- Lucy, está absolutamente belíssima nesse vestido, querida. - Elogiou padre Jullian, com um sorriso gentil.
- Com toda a certeza, senhor padre. - Concordou Oliver. - O azul combina com o tom de pele da senhorita. Eu mesmo mandei fazer especialmente para ela.
- Muito atencioso de sua parte, senhor. - Harmon agradeceu.
- É sempre uma satisfação agradar a minha futura esposa. - Ele tocou o ombro de Lucy com delicadeza.
A jovem sorriu com desgosto, tentando esconder seu desconforto.
-A propósito. - Oliver foi até uma mesa encostada na parede e deixou sua taça de vinho sobre ela. - A futura Lady Dauphin aceita dançar comigo?
Com um pouco de resistência, ela assentiu brevemente. Oliver a conduziu até o centro do salão, onde todos se afastaram para deixar o jovem casal de noivos dançarem a sós. Os convidados se juntaram ao redor para verem a dança.
O alaúde tocou com suavidade e os outros instrumentos o acompanharam numa melodia suave e romântica, a mulher começou a cantar uma canção com uma voz baixa mas firme.
Com passos sutis, movimentos de mãos e giros lentos, Lucy e Oliver encantavam os observadores com sua dança tênue. Aquelas pessoas não sabiam que na verdade, não havia amor entre eles. Era uma mistura de desdém, repulsa e indiferença.
-Está feliz? - Perguntou com ironia. - A festa está do seu agrado.
- Preferia estar morta. - Respondeu ela secamente.
- Isso pode ser resolvido. - Ele respondeu com um sorriso malicioso. - Basta engravidar muito em breve e depois você poderá morrer.
Lucy ficou em silêncio. Sempre que o Oliver a tocava, ela sentia uma ânsia de vômito. Os minutos não pareciam acabar e a música não parecia ter fim. Oliver apreciava a expressão de desconforto nos olhos de Lucy. Ela era tão linda para ele, linda o suficiente para ser a mãe de seus filhos, mas não o objeto de seus desejos. Linda o suficiente para não se envergonhar de sua companhia, mas não o suficiente para despertar amor dentro dele. Ela era só um objeto de apreciação para Oliver e nunca havia passado disso.
Eles se cumprimentaram quando a música enfim terminou. Ele lhe deu o braço enquanto os convidados aplaudiam. Visivelmente orgulhoso, Oliver voltou para onde estava sua mãe e o clero.
-Bravo. - Frederic ergueu sua taça. - Um casal lindo e apaixonado.
- Com licença. - Pediu Lucy.
- Tudo bem, querida? - Perguntou Harmon.
- Sim, eu só preciso de um pouco de ar. Está quente aqui.
Ela saiu andando um tanto apressada em direção ao terraço. Uma vez sozinha na escuridão, ela respirou fundo. Retirou a máscara de seu rosto, a desamarrando atrás de sua cabeça. Sentou-se em um dos bancos brancos de mármore, suspirou e tirou o sapato, massageando seu pé direito que latejava.
-Precisa de ajuda? - Uma voz surgiu ao seu lado no terraço.
- Não, senhor. Obrigada, mas só preciso descansar um pouco.
Ela sequer olhou para a pessoa que estava de pé a sua frente.
-Acho que precisa ir embora daqui. - O homem se agachou na frente de Lucy.
- Senhor, eu...
Ela ficou surpresa ao reconhecer o par de olhos que a fitava.
-O que está fazendo aqui? - Ela perguntou com desespero.
- Eu lhe disse que não era um adeus. - Ele sorriu docemente.
- Vá embora. Este lugar não é seguro para você.
- Não antes de uma dança. - Ele ficou de pé e lhe estendeu a mão.
Lucy o olhou hipnotizada. Seu coração acelerado estava contente em vê-lo, mesmo que não fosse seguro para ele. A máscara que ele usava o esconderia e as pessoas pensariam que apenas se tratava de um convidado qualquer. Mesmo com receio, ela segurou sua mão e se permitiu ser guiada por ele. Os dois voltaram juntos para o salão de baile e se misturaram com os outros casais que ali se alinhavam para mais uma dança.
Dessa vez apenas a harpa e a flauta tocaram. Uma dança lenta e envolvente invadiu seus ouvidos e os guiaram em uma dança repleta de paixão. Foi como se só eles dois estivessem ali, girando, tocando suas mãos gentilmente. Não conseguiam parar de olhar fundo em seus olhos, como se estivessem em transe. As mãos gélidas de Anthony a tocavam, fazendo os pelos de sua pele se arrepiarem. Tocavam um ao outro como se nunca mais fosse acontecer. A música terminou e eles continuaram nos braços um do outro, hipnotizados pela paixão que os consumia.
-Venha até o jardim. - Ele sussurrou em seu ouvido. - Estarei esperando.

Sangue Profano (Em Andamento)Onde histórias criam vida. Descubra agora