CAPÍTULO 1- HORTÊNCIAS AZUIS E DELÍRIOS MINEIROS

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Apesar dos gritos incessantes de Dorothy perguntando "Onde está minha Barbie?" ou "Cadê meu Fofão?" Scarlet corria contra o tempo para empacotar todas as suas coisas nas malas de couro dadas pela avó, que veio se despedir no dia anterior. As caixas de papelão se empilhavam na porta da cozinha, fechadas por metros de fita adesiva à espera de serem colocadas no caminhão. Helena, ao contrário da irmã, já estava sentada no banco do carro, lendo mais uma de suas revistas, ignorando os pedidos de ajuda da mãe para pôr as coisas no porta malas.

– Não vou sem meus brinquedos Scarlet, já falei! – Dorothy bateu o pé, sua voz estridente arranhava os ouvidos da jovem.

De repente, a sombra alta de Carmen apareceu na porta do quarto para apartar a confusão bem a tempo de, mais uma vez, culpar Scarlet pelo atraso na arrumação. Nenhuma novidade, sempre era sua responsabilidade lidar com o caos de suas irmãs.

– Custa ajudar Scarlet? – bradou a mãe acendendo outro cigarro, ainda era meio dia e o maço de Marlboro vermelho já estava no fim. – Ainda tenho que empacotar tudo da cozinha, os porta retratos da sala, as roupas do meu quarto, você tem ideia – tragou e soltou a fumaça densa na atmosfera – do quanto de cacareco a gente guarda? – o cheiro de cigarro empesteou o colchão de sua velha treliche que seria deixada para trás, vendida aos novos moradores.

A menina suspirou, acenando em concordância, uma concordância forçada, assim como sua ida para Ouro Preto que, aliás, não fora discutida em família. Seu pai fazia falta. Às vezes, quando sentia saudades, olhava pela janela da sala, e imaginava que logo ele chegaria da rua, passando pelo portão com uma sacola cheia de sonhos da padaria.

– Toma. – falou finalmente, pegando algo de dentro de uma caixote aberto – Fica com a Coração. – o urso que um dia foi rosa já estava amarronzado, Dorothy abraçou a pelúcia se distraindo com as cores apagadas na barriga do brinquedo.

Eram exatamente 14:00 horas quando o caminhão de frete chegou para buscar os móveis, por sorte, não tiveram que carregar nada além das malas que iriam no carro, e logo o caminhão saiu com a mudança na frente delas. Scarlet e a mãe fecharam as últimas janelas e recolheram as plantas que ficaram de presente para a vizinha Dona Rute. "Uma, duas voltas, sempre conferir as duas trancas de segurança", Scarlet sorriu ao lembrar do pai ensinando a trancar a casa, sempre de olho nas torneiras pingando e no registro do gás com um rigor religioso. Por um momento, sentiu o súbito impulso de voltar para dentro, de esquecer tudo e acordar daquele pesadelo. Mas quando olhou para o Monza 84 vermelho, que Ricardo tanto se esforçou para pagar, carregado de malas e algumas suculentas de estimação da mãe, ela soube que não tinha como voltar. As janelas de madeira fechadas diziam "Adeus", a tinta azul descascando da fachada dissolvia-se em poeira pelo vento, um bem-te-vi se aninhou nos galhos da laranjeira ao lado da varanda.

As mulheres Montagori apagaram as últimas luzes, e, fácil assim, o motor arrancou.

***

Os postes da estrada se acendiam conforme o dia desaparecia. O rádio do carro estava ligado, mas Scarlet não ouviu muito depois das notícias de clima fresco e de chuva fraca que cairiam naquela noite em Petrópolis, isso não importava mais, a cidade já estava a horas de distância. Entediada com o movimento repetitivo dos carros na rodovia, colocou o fone, escolheu a dedo qual fita escutaria nas horas de viagem restantes, "Rita Lee 1979" foi a primeira escolhida. "Doce Vampiro" preencheu seus ouvidos, na janela, seu indicador riscava linhas curvas no vidro embaçado por sua respiração tão próxima. Aquela noite não teve estrelas no céu, somente a luz do luar por entre as nuvens.

Pela primeira vez em meses tudo parecia estar em paz, a rodovia seguia firme conforme desciam a serra arborizada. Scarlet deve ter adormecido com o movimento do carro, pois se viu em um dia normal em sua antiga escola, lanchando bolo e guaraná com Júlia e Teresa na escadaria da biblioteca.

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