A manhã surgiu barulhenta, iluminada pelas frestas da veneziana do quarto e ao choro resistente da mais nova em acordar. Scarlet, mergulhada no torpor do sono, não sabia quem era, sua alma ainda flutuava em algum lugar do quarto. Levantou-se de olhos fechados e se alongou, o maior desafio estaria pela frente: encontrar algo para vestir. A escolha foi uma camisa branca de gola alta e um vestido vinho, aproveitou o cinto da calça jeans suja, colocou seu mesmo tênis de solado fino e gasto. O café foi barulhento, e as garotas dividiram suas expectativas da cidade e das compras que fariam, Scarlet ansiava por visitar o museu, Helena queria conhecer as lojas de discos e Dorothy ainda protestava pelo sono perdido.
Quando entraram no carro era muito difícil escolher qual estação de rádio iria tocar, e após a decisão nada democrática da Imperatriz Carmen, acabaram ouvindo um programa político educativo em uma rádio do Estado pelos mais de quarenta minutos de viagem. A cidade era bucólica, e os casarões erguiam-se pelas ruas como se fosse um outro tempo contrastado com o presente.
– Ali, é esse o brechó que Amália disse. – Carmem apontou pela janela do carro enquanto estacionava do outro lado da rua de pedras. Não passava de um dos casarões antigos, onde no interior se podia ver araras cheias de roupas e quinquilharias.
– Roupa usada? – consternou Helena. – Não vou usar roupa de defunto mãe, ah não vou mesmo. – negou-se a sair do carro quando a mãe ordenou.
– Anda logo, garota. – falou a mulher entre os dentes, travando a mandíbula disfarçando o tom de voz em público.
– Imagina o tanto de fantasma que tem aqui... indo puxar seu pé... – Scarlet a assombrou através da janela, mas logo se afastou indo em direção à loja depois que a irmã a xingou de alguns nomes nada legais.
O ambiente fechado causava um pouco de claustrofobia, uma vez que era tudo tampado com tecidos ou roupas a venda, pendurado no teto estava um lustre que mal iluminava, além de algumas mandalas e objetos esotéricos. O cheiro de incenso indiano empestava o local, mas apesar de tudo, era bem organizado, as roupas estavam separadas por tamanhos e seções, Scarlet olhou em volta, havia prateleiras com acessórios e os preços oscilavam entre poucos cruzados, nada mais que 30, de acordo com Marilda, a proprietária. "Esse é o meu lugar" pensou ao lembrar de quanto dinheiro tinha guardado. Começou a procurar nas araras de calças por modelos de alfaiataria e jeans que fossem úteis para a rotina agitada que logo teria. Ela tinha separado alguns recortes de revistas e viu em filmes como os acadêmicos se vestiam, queria ser assim, intelectual. Escolheu alguns modelos em tons de preto, marrom, jeans escuro e couro. Juntando tudo não tinha gastado nem 20 Cruzados, decidiu partir para as blusas, camisetas e jaquetas, escolheu mais algumas, entre elas, uma jaqueta de couro lindissima preta, como essas de motoqueiro, e uma outra preta e vermelha, da Fórmula 1, que Helena ficaria louca ao ver
– Helena... Você não vai acreditar no que eu encontrei. – disse convidativa para a irmã que se virou e encarou o conteúdo nas mãos de Scarlet. – E então, não vai mesmo usar roupa de defunto?
– Me dá isso, que sinistro. – Helena puxou o cabide e avaliou o estado da jaqueta. – Ah, só tem um furinho no forro... dá pra arrumar...
A atenção de Scarlet oscilou para um par de óculos escuros e ovalados numa prateleira acima da arara de vestidos. A armação dos óculos era amarronzada, as lentes esverdeadas davam um toque excêntrico no modelo. A garota se aproximou e pegou o objeto, a etiqueta dizia "5,00", ela não pensou duas vezes e colocou o óculos na sacola de feira, também pegou alguns outros acessórios que estavam disponíveis nas prateleiras: muitos anéis, brincos e pulseiras, viu alguns pingentes bonitos, mas tinha que comprar uma bolsa nova para a faculdade, e algum sapato mais... estiloso, não tão sem graça.
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Castiglia
VampirosO Instituto Castiglia respirava a história colonial brasileira, um colégio e faculdade de tradição católica, rígido em suas normas, onde só quem pudesse pagar, e muito bem, conseguiria entrar. É lá que o professor do curso de História, Estevam C, pa...