O telefone era de um branco já muito amarelado, daqueles de disco, parecia antigo e com engrenagens bem duras, Scarlet se lembrou da avó e dos inúmeros trotes que ela e as irmãs passavam nas tardes das férias. Estava colocado no meio de uma pequena mesa redonda, coberta por uma toalha de crochet branca. Ao lado, uma cadeira, do mesmo tipo das do saguão, e acima dela, colado na parede, uma folha A4 datilografada envolta em um plástico, fosco pela ação do tempo, escrita "Tempo máximo: 10 minutos! Se passar do tempo, a conta chega na sua porta. Ass: Inspetora Amália R."
O corredor estava silencioso, e mais empoeirado do que o resto do prédio, o chão refletia o tempo que não era limpo com mais afinco, como se ninguém morasse lá a longos meses. O barulho da roda dos números sendo discados se alastrou pelas paredes escuras. Mesmo sendo tarde, o dia nublado não permitia muita iluminação pela única janela localizada na parede oposta, por onde a escadaria terminava. Enquanto esperava a ligação ser completada, enrolava uma mecha de cabelo no dedo indicador, praguejando Júlia por demorar tanto a atender.
– Alô? – o sotaque gaúcho da amiga não mudava nunca, mesmo depois de quase 8 anos em Petrópolis.
– Juju?! É a Scarlett. – anunciou.
– Bá, finalmente guria! – seu coração pulou de alegria ao ouvir a voz da amiga – Esqueceu das amizades né?! Tá falando baixo porque?
– Tô no corredor do prédio, aqui só tem um telefone cara. – praguejou, abafando a voz com a palma da outra mão. – Aqui tem um baita eco, se eu falar mais alto que isso geral escuta, até a tia da cantina vai ouvir. – riram com suas vozes agudas. – Mas assim, se eu te contar a fofoca... tá preparada?
– Credo guria, nem perguntas se tá tudo bem primeiro.
– Ai Ju, deixa eu falar me ajuda. Só tenho cinco minutos, então vou resumir bastante, tá?
– Tá bom, mas na próxima vez eu que falo. – alertou, com seu jeito de general – Anda guria, desembucha.
–Tá tudo certo no geral. A escola é linda, parece aqueles prédios de filmes de terror antigos, sabe? Do tempo do onça.
– Seeeeeiii, tu nem gosta né, de coisa velha. – provocou. Scarlett imaginava a amiga conversando ali com ela, com seu cabelo ruivo chanel, icônico cheio das presilhas coloridas, as sardas sobre o nariz pontudo, sempre vermelho, suas bochechas gordinhas altas e brilhantes.
– A gente se mudou pra um apartamento enorme, nossa finalmente tenho meu próprio quarto e uma banheira, mas essa nem é a melhor parte. – respirou fundo – No dia que a gente chegou eu fui buscar meu walkman no carro e, você não vai acreditar! – se sacudia na cadeira, inclinando-se para frente, olhando de relance o corredor, conferindo se estava mesmo sozinha. – Eu conheci um cara e ele é tão lindo amiga.
– Meu Deus! – gritou, estourando seus tímpanos.
– O nome dele é Estevam, ele é alto, cabelo escuro cacheado, com barba feita, os ombros dele são do tamanho da geladeira Brastemp daqui de casa te juro! – mordeu os lábios sem perceber – Mas essa nem é a melhor parte, a gente conversou, fumou um cigarro juntos. – sussurrou, ciente do perigo que a informação era.
– Minha Santa Maria! Barbaridade! – outro grito.
– Tá achando babado agora? Espera a melhor parte... adivinha a idade dele?
– Guria, ficaste maluca?! Ai Jesus Cristo... Ele tem barba né? Não sei, uns vinte e cinco?
– VINTE E N.O.V.E. – sacudiu a cabeça a cada sílaba, pondo a língua na ponta dos dentes. – Advinha o que ele faz? Adivinha vai.
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Castiglia
VampireO Instituto Castiglia respirava a história colonial brasileira, um colégio e faculdade de tradição católica, rígido em suas normas, onde só quem pudesse pagar, e muito bem, conseguiria entrar. É lá que o professor do curso de História, Estevam C, pa...